Com este nono texto vamos chegar ao final do primeiro dos romances de Pedro Eiras, publicado quando ele ainda só contava 25 anos. E esse é um dos aspetos mais impressionantes de «Anais de Pena Ventosa»: não só a sua ambição, mas sobretudo a inteligência com que resolveu um desafios maiores do seu projeto, o de fazer soar a prosa (mesmo não o sendo) como se concordante com o português arcaico da época.
Bonifácio, o jovem clérigo, que acompanháramos desde noviço no mosteiro portucalense, visita amiúde o Herbanário, que se transforma no seu verdadeiro guia espiritual: “por vezes arrisco mesmo alguma questão pessoal, solicito uma opinião, quase revelo, por lapso, algumas das preocupações que me afligem a alma. Mas o Herbanário não se faz rogado para responder e, mal me vê satisfeito, parece esquecer as minhas dúvidas - o que sobremaneira me alivia, pois indica que minha curiosidade é natural, não pecaminosa, sendo sem culpa averiguar do mundo. Ele poucas perguntas coloca, mas sinto que procura levar-me a pensar, atingir conhecimentos que detém e não adivinho.” (pág. 349).
Surpreendido, Bonifácio ouve do Herbanário a revelação de, também ele, ter sido noviço no Mosteiro com Hilário e com ele haver fugido para tratarem de conhecer o mundo.
Um voltara para o mosteiro, acolhido como “ovelha transviada”, mesmo sem nunca perder a crença que o forçara a partir. O outro regressara assumidamente ateu, mas com conhecimentos que agora colocava ao serviço da comunidade local.
A caverna de Dom Hugo, que Bonifácio continua a investigar, é a dos desejos reprimidos, e é para aí que conduz a bela Aldonça a quem não via desde a sua entrada no mosteiro: “veio até mim, vi como era bela, talvez mais bela ainda por ser um pouco nervosa e expectante, de espírito trémulo. Olhava-me nos olhos, não dissemos uma palavra. Ela beijou-me sobre a boca, a medo, na rua deserta. Fez um gesto para se ir embora a correr, mas eu tomei-lhe a mão e disse numa voz firme: ‘Fica’. Senti grão contentamento como se lhe tivesse contado um segredo. ‘Vem?. Foi assim que nos encaminhámos juntos até à catedral e passámos a noite na caverna.” (pág. 361).
As dúvidas suscitadas pelos dogmas em que deixou de confiar e a descoberta do Amor carnal, mudam totalmente Bonifácio que, a exemplo de Hilário e do Herbanário, sente-se tentado a fugir do mosteiro acompanhando Silvestre e Briolanja, cuja vida passara a estar em perigo pela sua condição de antiga muçulmana. E, numa altura de chuvas destrutivas ela constituía um bode expiatório de eleição para quem pretenderia sacrificar aos elementos uma potencial causa do seu desagrado divino.
É sem Aldonça, que Bonifácio prepara a partida. Mas acabará mesmo por assim decidir?
Assim se conclui uma história concluída quando dom Henrique já morrera e deixara a viúva, D. Teresa, a liderar o Condado Portucalense. De Afonso Henriques, ainda criança, ainda não se nota aqui a sua presença...
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