Se há ator inglês capaz de me levar a ver filmes por si interpretados e de que nada sei, Jim Broadbent é um deles. Foi, pois, nesse estado de alma, que me pus a ver «Longford», realizado por Tom Hooper em 2006 e chegado com a chancela do canal Sundance.
Do caso real não guardo qualquer memória: entre 1963 e 1965, o casal constituído por Myra Hindley e Ian Brady violou e assassinou cinco crianças entre os 10 e os 17 anos. Se a imprensa da época salazarista deu algum ênfase ao sucedido, passou-me completamente ao lado.
Nunca ouvira, também, qualquer referência a Lord Longford, um respeitado trabalhista, que terá feito meritório trabalho de apoio a presidiários durante várias décadas, estimulado pela sua conversão ao catolicismo.
É nesse âmbito, que ele se interessa por Myra, cuja personalidade não parece ajustar-se ao «monstro» odiado pela generalidade da opinião pública. Pelo contrário, não só a julga manipulada pelo companheiro - ele sim odioso! - como a admira no propósito de regressar à fé religiosa.
Esse envolvimento militante na causa de Myra, que pretenderá ver aceite como candidata à liberdade condicional, não é bem visto pela família e pelo Partido. Neste caso o próprio Harold Wilson teme a popularidade negativa trazida por esse camarada e demite-o das funções ministeriais.
Todo o filme será trabalhado em tal dúvida: seria Myra credível no seu arrependimento? Ou, pelo contrário, vira em Longford, um ser facilmente transformável num joguete da sua estratégia perversa?
Convocando o político à prisão onde se encontra, Ian Brady tende a convencê-lo da segunda possibilidade. Mas, nem mesmo assim Longford desiste, tanto mais que leva consigo a esposa numa visita à prisioneira e o tratamento crapuloso a que ela é sujeita fazem-na passar por uma mártir da incompreensão alheia.
É quando a possibilidade de revisão da pena dela se torna consistente, que Brady joga a sua última cartada: convence Longford a obrigar Myra a confessar os dois crimes, que ainda estavam por esclarecer. Torna-se evidente que ela e o cúmplice cumprirão a pena de prisão perpétua sem que seja exequível qualquer revisão.
O último encontro de Longford com Myra ocorre, quando o enfisema dela está quase a ter o seu desiderato. E onde a dúvida continuará a persistir, muito graças ao desempenho admirável de Samantha Morton, que vai alterando as expressões faciais em função das diversas circunstâncias em que Longford a encontra.
Mas, seja qual for a verdade sobre a maior ou menor culpabilidade de Myra, fica latente a questão levantada por Lady Longford: «porque é que uma assassina de crianças é vista como um monstro e o mesmo não sucede com os homens acusados do mesmo crime»?
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