domingo, março 01, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Hope» de Boris Lojkine ou a tragédia da emigração clandestina

Nas últimas semanas têm sido menos frequentes as notícias de mortes no Mediterrâneo, embora não seja difícil imaginar, que elas continuem a verificar-se  diariamente. Só que a crise ucraniana, o assassinato de um opositor de Putin ou as dificuldades sentidas pelo governo grego perante a obstinação alemã têm secundarizado uma tragédia para a qual parece não haver vontade, nem capacidade de encontrar solução.
Em França estreou-se há um par de semanas um filme, que pudemos aqui ver durante a semana do cinema francês e cujo tema é precisamente esse fluxo emigratório ininterrupto entre a África e a Europa.
Se é certo que já assistíramos até então, a muitos filmes sobre o tema, este, intitulado «Hope», tem algumas características particularmente singulares.
Em primeiro lugar, porque o realizador, Boris Lojkine, veio do cinema documental, e por isso mesmo secundariza os efeitos dramáticos para se cingir à rudeza da realidade. Não existem paisagens bonitas, nem sequer grande claridade. Quase sempre os personagens estão mergulhados nas sombras da noite ou de esconderijos de ocasião.
Depois, porque a maior parte dos atores conheceram na pele a experiência da emigração clandestina para a Europa, sabendo de sobremaneira as vicissitudes, que tal epopeia pressupõe. Nesse sentido, se o seu desempenho não tem a segurança conferida pelas técnicas das escolas de representação, assume, porém, uma credibilidade, que vai além dos critérios habitualmente aceites para o aferir.
Há, igualmente, a condição da mulher. O “Hope” do título nada tem a ver com uma esperança, que rapidamente se desfaz às primeiras dificuldades, mas é o nome da jovem congolesa disposta a tentar sozinha a “aventura”. Depressa o disfarce feminino se desmascara e ela é sujeita ao que qualquer mulher sofre em tais circunstâncias: a violação, a prostituição, a gravidez indesejada, a exploração dessa mesma condicionante.
Ilustra-se, igualmente, o poder das mafias: a nigeriana e a congolesa, que exploram as vias de entrada clandestina na Europa, seja por terra (nos enclaves espanhóis em Marrocos) seja por mar.
Para dar substância ficcional ao tema, Lojkine enreda afetivamente a congolesa Hope com o camaronês Leonard, que chegam a casar para diminuírem as imensas dificuldades, e acabam por criar laços mais fortes do que a da mera comunhão de interesses. E é no inesperado desse desenlace, que o filme ganha a sua força e beleza.



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