A primeira vez que vi uma versão de «Metropolis» de Fritz Lang foi em pleno fascismo, quando António Lopes Ribeiro a apresentou na RTP na sua rubrica «Museu do Cinema».
A este distância pergunto-me o que terá dito o realizador oficial do regime de um filme onde a luta de classes e a exploração capitalista surgem tão bem identificadas. Ainda adolescente terá sido esse o aspeto, que melhor se me conservou na memória: a existência de uma sociedade injusta, onde a qualidade de vida excecional usufruída pelos que viviam à superfície era garantida pela escravidão dos que trabalhavam nas suas profundezas.
António Lopes Ribeiro não desconhecia essa leitura óbvia do filme: apesar do seu posicionamento político, ele apreciava o cinema soviético e até adotara Eisenstein como uma das suas mais notórias influências.
Mas é, igualmente, provável, que tenha preferido comentar de forma elogiosa a argumentista do filme, Thea von Harbou, que tão só surgido o regime nazi a ele aderiu com entusiasmo, dissociando-se da posição do esposo, este mesmo Fritz Lang, que então optou pelo exilio para não ter de aceitar o convite de Goebbels, que o queria a liderar a produção cinematográfica alemã.
Em 1927, quando se estreou, «Metropolis» foi um fracasso comercial quase levando a sociedade produtora, a UFA, à falência. E, desde então, foi exibido em versões muito diferenciadas, umas mais cortadas do que outras. Por isso mesmo esta que aqui se linka foi um verdadeiro acontecimento, porque assenta na restauração de uma cópia encontrada na Argentina e que corresponde à mais aproximada da versão original.
O projeto anunciara-se gigantesco, logo que Lang começou a trabalhar sobre a história escrita pela mulher.
A cidade era uma mistura de modelos reduzidos, de efeitos especiais e de cenários destinados a criar a ambiência futurista. Abundavam os arranha-céus, as autoestradas e os jardins suspensos em torno de uma Torre de Babel.
A modernidade tinha um preço: o do suor e do sangue de milhares de operários, que caíam exangues à medida que iam pondo em movimento as máquinas existentes no subsolo.
O M de Metropolis, também o era de Mutter (mamã) ou o de Moloch, a divindade pagã dos fenícios e dos amonitas, que se alimentava da carne dos seus crentes.
A história de amor entre Freder, o filho do ditador da cidade, e a jovem Maria, que representava a renovação, a virgindade e a fé no seu esforço de reconfortar as massas oprimidas, acabaria por causar a revolução, que viraria do avesso as relações de forças na cidade.
Muito embora o epílogo fosse ambíguo no seu happy end, que apelaria à conjugação entre as diversas classes sociais, «Metropolis» foi suficientemente explícito para que quem o viu logo o interpretar como uma brilhante metáfora das sociedades injustas do século XX.
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