A única vez que estive no Rio de Janeiro foi durante a semana de Carnaval. Cheguei na quarta-feira anterior e combinei com o pessoal da casa das máquinas que despacharíamos os trabalhos planeados para essa escala nos primeiros três dias, só então havendo ordem de soltura.
Naqueles dias os oficiais, os artífices e os ajudantes desunharam-se a desmontar êmbolos e cabeças de motores, a limpar as camisas, a substituir aros e capas de manivela até ter tudo pronto na sexta-feira à noite.
Os quatro dias seguintes seriam de usufruto da cidade, que agora fez 450 anos.
No sábado fui almoçar à Ilha do Governador. Um rodízio, claro!, em restaurante com vista para o aeroporto e para a ponte de ligação a Niterói.
A seguir Ipanema sem conseguir lá encontrar a tal garota tão cantada por António Carlos Jobim. Quanto muito cruzei-me com a Alcione no preciso instante em que saía da ourivesaria onde decidira comprar uma bela ametista. O guia, que me acompanhava, alertou nesse instante para o grupo suspeito ali parado quase em frente à espera de clientes de joias mais avultadas e a cantora, então no seu fulgor, foi presença furtiva a afastar-se rapidamente dali, no sentido contrário para onde seguiríamos.
Em Copacabana era imensa a multidão, que não deixava livre qualquer lugar nas esplanadas para uma apetecida cerveja. Sentadas, eram muitas as mulatas quase adolescentes amarradas a velhos senis desembarcados do Norte da Europa, de carteiras providencialmente recheadas.
O regresso ao portaló do paquete obrigava-me a passar sempre pela Praça Mauá contornando as meretrizes, que se procuravam atrelar afiançando serem o «amor das nossas vidas».
Era dali que partia a larga Avenida Rio Branco, onde, por aqueles dias, reinava o quase absoluto caos. Havia escolas sem acesso ao Sambódromo, que ali desfilavam, e davam ensejo a golpes bem sucedidos dos muitos carteiristas com olho nos camónes armados em basbaques. A uma ou outra esquina, pares de polícias agrediam-nos com os cassetetes, mas tão só corridos dali, logo iam meter a mão ao bolso nos distraídos da esquina seguinte.
Avisado, por ali andava sem relógio, nem carteira, apenas com pouco dinheiro no bolso donde a mão não saía.
Esses quatro dias não me deram uma ideia, mesmo que mínima, do que é o Rio. O barulho era tanto, as vozes e a música a misturarem-se em tremenda parafernália, mergulhavam-me na vaga semiconsciência de um clima de festa com muito de irrealidade. Porque, embora os ignorasse, os morros estavam bem à vista a lembrar que a pobreza andava disfarçada no colorido dos enfeites, e muita daquela nudez decorria da falta de meios para garantir melhor atavio.
É claro que não fui ao Sambódromo. Na terça já estava tão saturado de carnaval, que nem me apeteceu sair de bordo. Esvaziado de tripulantes e de passageiros, o navio funcionava como uma espécie de ninho silencioso onde apetecia estar. Até porque à mesma hora a que os serviços municipais começariam a limpar os vestígios de mais uma festa acabada, teria de dar arranque às máquinas para prosseguir viagem rumo à costa patagónia.
Três dias de mitigada folia tinham bastado para encerrar a experiência de um carnaval no Rio...
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