Em 3 de março de 1875 - ou seja há cento e quarenta anos - estreou-se na sala Favart da Ópera-Comique de Paris a ópera «Carmen», composta por Bizet tendo por base um libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy a partir da novela de Prosper Mérimée.
A data ficou na História do Teatro Lírico porque, embora enquadrando-se nos cânones até então seguidos, também continha uma alternância entre as árias cantadas e diálogos falados.
A má receção do público explica-se nessa transfiguração do género, de que retém a vivacidade frequentemente cómica para contrastar com a natureza trágica da história. E, no entanto, Bizet potenciava a riqueza melódica, a subtileza na progressão dramática e a coloratura já anteriormente revelada em «Os Pescadores de Pérolas» (1863) ou em «L’Arlésienne» (1872).
Dando protagonismo ao toureiro Escamillo e criando a doce e pura Micaëla, que contrasta com a brutalidade dos outros personagens, os autores pretenderam dar a Don José a personificação do que poderia ser uma vida respeitável se não se tivesse perdido de amores pela bela cigana.
A alta burguesia, que predominava na assistência da estreia, considerou a intriga demasiado ousada e viu Carmen como o paradigma da vulgaridade. Mas o verdadeiro escândalo surgiu quando a imprensa zurziu forte e feio na obra, qualificando-a de indecente.
As almas puritanas depararam-se com uma Carmen, que era a antítese da heroína, e não poderia ser tida como um exemplo. Ademais, ao morrer em cena, violava um dos pressupostos até então respeitados. Era ainda pouco comum que os espectadores fossem sujeitos a um desenlace tão fatal em cena.
Como morreu quase logo a seguir, Bizet nunca conheceu o reconhecimento, que a obra depressa conquistaria ao ponto de se ter tornado na ópera mais representada nos palcos mundiais, seja na forma como foi estreada, seja na posterior alternativa de transformar os diálogos falados em recitativos musicados por Ernest Guiraud.
Ela valeu a Francesco Rosi, em 1984, uma das mais bem sucedidas transposições para o cinema, com um elenco que integrava Plácido Domingo e Ruggero Raimondi a secundarem Julia Migenes, então a interpretar o papel da sua vida.
Não foi, porém, a primeira tentativa: trinta anos antes Otto Preminger transpusera a história para a época da Segunda Guerra Mundial e dava protagonismo a Dorothy Dandridge no papel de Carmen e a Henry Belafonte o do seu mal amado Joe.
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