segunda-feira, maio 02, 2022

Julieta dos Espíritos, Federico Fellini, 1965

 

Giulietta é uma dona-de-casa entediada na sua casinha de bonecas, entretida pelas amigas, que lhe dão conta das mais recentes novidades quanto aos gurus e cartomantes chegados às suas paragens. A vida «perfeita» começa a ficar em causa, quando os sinais oriundos de Giorgio indiciam iminente mudança. Porque ele embeiçou-se por uma modelo bastante mais nova e prepara-se para a deixar tal qual o demonstram os detetives particulares a que ela recorre.

Rodado a seguir ao «8 1/2» apontou-se-lhe uma abordagem semelhante quanto aos fantasmas de um protagonista, agora na versão feminina, mas tendo o mesmo universo barroco a suportá-lo, feito de freiras, artistas de circo e outros fenómenos esdrúxulos, que lembram amiúde as feiras de horrores com que o realizador tanto se comprazia. Tem a desvantagem de contar com uma construção menos coerente, mas tendo, por outro lado, o recurso à cor naquela que foi a primeira longa-metragem em que Fellini a explorou. E que exuberância a desses tons intensos a que a cópia restaurada devolveu o original fulgor!

Há também Giulietta Masina num desempenho irrepreensível, que se salda num final próximo ao de Cabíria: apesar das torpitudes a que se vê sujeita ela é quem acaba por sair mais dignamente de toda uma crise conjugal, que a deixa melhor preparada para aquilo que se seguirá para lá do “The End”. No que consistirá não podemos adivinhar, mas tivemos de permeio as recalcadas tentações pelo toureiro espanhol ou pelo gigolo, que a vizinha quase lhe pôs na cama.

Na altura da rodagem do filme Fellini andava às voltas com a interpretação dos sonhos à luz da psicanálise e seriam eles a norteá-lo para a fase seguinte da obra aonde não faltariam outros projetos excessivos como os inspirados pelo Satyricon ou pela personalidade de Casanova. Quanto a Giulietta, depois de ser a musa do marido em meia dúzia de títulos, só para ele voltaria a interpretar novo desempenho vinte anos depois, quando ele a associaria a Mastroianni para esse filme-testamento, que foi «Ginger e Fred». 

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