1. As imagens que revisito no dia-a-dia remetem, amiúde, para o que, em tempos, me interessou e fui esquecendo. Por exemplo o percurso de Robert Doisneau enquanto fotógrafo a quem se associa a incontornável imagem do Beijo colhida em 1950 com o edifício da câmara parisiense como cenário de fundo e expressão de uma mudança cultural em curso na França saída da guerra.
Desconhecia-lhe, porém, o portfolio das imagens de Palm Springs datadas de 1960 e em que recorreu, pela primeira vez, à cor. A endinheirada e descontraída América por ele retratada fotógrafo para a revista Fortune nada coincide com a então perpassada pelas intensas lutas sociais, que prenunciariam as iminentes e divergentes propostas políticas de Kennedy e Nixon para a Casa Branca no final desse mesmo ano. Mesmo que, uma e outra, se equivalessem no alheamento quanto às aspirações dos menos abonados.
2. As séries televisivas, que nos chegaram nas décadas seguintes também nada tinham a ver com a realidade norte-americana, que passou ao lado de Doisneau. Dallas, a soap dos anos 80, era um produto de tese em torno da ganância enquanto preocupação maior dos ricos, que nem sequer justificou a deslocação dos criadores do argumento até à capital texana do petróleo. E, anteriormente, Kung fu foi uma variação rudimentar do herói solitário personificado por Charles Bronson ou Clint Eastwood nos filmes do western spaghetti.
Uma e outra não me ocuparam muito tempo: vistos um ou dois episódios de cada uma delas fiquei elucidado quanto ao escasso interesse que me motivavam.
3. Hélas, o sucesso mediático dessas séries norte-americanas contrastou com o número de espectadores de Mon Oncle, o filme que Jacques Tati estreou em 1958.
Crítica sarcástica - e muito inteligente! - da vida moderna e das pretensões de uma pequena burguesia, que estava a apanhar o ascensor social para condição mais privilegiada, o filme só viria a redimir-se da inicial desafetação pública, quando os Óscares e o festival de Cannes lhe deram justo realce. Houve então quem olhasse com outra disponibilidade para o elogio da simplicidade e da efetiva comunicação entre as pessoas - neste caso entre um tio e um sobrinho -, que são cúmplices no olhar corrosivo para quanto ocorre à sua volta.
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