O que sabemos, ao confrontarmo-nos com os filmes de Miguel Gomes - neste caso específico coassinado por Maureen Fazendeiro -, é a conveniência de assumirmos a abertura de juízo, que nos dissocie da ideia de estarmos perante obras convencionais. E isso é sempre o que mais estimula a nunca faltarmos à chamada sempre que se nos depara a oportunidade de os descobrirmos.
No verão de 2020, em plena pandemia e com outros projetos adiados, os realizadores, os atores e a equipa técnica fecharam-se numa casa perto da praia do Magoito e rodaram uma história sobre três amigos - Crista, Carloto e João - que partilham a construção de um borboletário. Mas, logo se compreende que a ideia de ficção mistura-se com a presença frequente de quem estaria , em principio, atrás da câmara e se posta diante dela em conversas sobre a ideia de filme construído como um work in progress com um lado making of. Há a contagem decrescente dos dias neles se multiplicando os paradoxos aos quais nem sequer falta a referência à gravidez de Maureen e a um conto de Pavese, que lhe acentua a influência mediterrânica. Ou a possibilidade dos realizadores se ausentarem durante um dia por causa de uma ecografia transferindo para os atores a continuidade da rodagem.
Sobre o filme João Lopes escreveu que Crista, Carloto e João são herdeiros tardios de Robinson Crusoé, náufragos das nossas queridas "sociedades de consumo", que vivem o isolamento imposto pela pandemia como uma redescoberta da possibilidade de estabelecer alguma relação com os elementos naturais: o sol, o vento, a vegetação, os animais. Que chegam a remeter os atores para um papel secundário...
Sem comentários:
Enviar um comentário