quinta-feira, maio 05, 2022

O que arde, Oliver Laxe, 2019

 

As primeiras imagens são noturnas e remetem para a quase total destruição de uma floresta de eucaliptos por máquinas, que as derrubam facilmente até quedarem-se em frente a uma árvore antiga, que parece impor uma fronteira ao desígnio dos homens.

Há depois a surpresa de autoridades prisionais por terem de libertar Amador, um pirómano há dois anos à sua guarda e que nada indica vir a privar-se de repetir o gesto. Mas entre a intenção predadora dos madeireiros e a pulsão de um homem desajustado dos que tem por vizinhos, qual a mais problemática?

O terceiro filme de Oliver Laxe consegue ser belo na forma como dá a ver o mundo rural, mas também não poupa os aspetos soturnos dessa realidade, feita de pobreza, de escassez de horizontes.  Amador e a mãe octogenária, Benedicta, partilham um quotidiano feito de rotinas, que só se alteram, ao comparecerem nalgum funeral ou quando uma das três vacas adoece e exige a convocação da veterinária.

A interação desta mulher, ainda relativamente jovem, com o ex-cadastrado parece abrir a possibilidade de uma eventual redenção. Mas é hipótese depressa posta de parte, porque também ela ouviu dos aldeões o relato das malfeitorias de Amador e aborda-o como se de lepra estivesse eivado.

Laxe é suficientemente subtil para atribuir a Amador a autoria do novo incêndio, que ameaça destruir novamente a região. Mas não nos escapa o sentido contrário em que se desloca, quando os carros dos bombeiros se cruzam com ele para acorrerem ao local do sinistro. E é dúvida que, também, não sentem os vizinhos, quando o interpelam e agridem, cientes de outra explicação não existir.

O que arde em Lugo na Galiza é muito mais do que a floresta, porque também as mentes de alguns estão abrasadas pelas ignições suscitadas pelos olhares dos demais. E, porque é filme de silêncios, acaba por ser a música de Vivaldi e o crepitar dos galhos a arderem constituírem boa parte da banda sonora. 

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