Pode um filho concluir que quase tudo desconheceu sobre a mãe, que sempre imaginara silenciosa dona-de-casa, pouco afetuosa e com inquietante propensão para se embriagar? E que, por isso mesmo, a sua morte não lhe terá suscitado grandes estados de alma, porque, há muito, dela se distanciara?
Pode-se por isso mesmo imaginar a surpresa de Antony Penrose quando viu a esposa vir do sótão com o conteúdo resgatado de prateleiras cobertas de pó e constituído pelas provas fotográficas das seis, oito, dez vidas por encarnadas por essa progenitora antes dele nascer. Porque aquela a quem já nada poderia perguntar, por ter desaparecido sem quaisquer sobressaltos necrológicos a nível mediático, fora afinal a bem sucedida modelo da Vogue no final dos anos 20, a musa dos surrealistas franceses na década seguinte, a mesma em que ela própria criou obra notável enquanto fotógrafa, depois reorientada para repórter de guerra, quando os Aliados preparavam-se para derrotar o nazismo.
Antony encontrou então o ensejo para o grande projeto da sua vida: tudo descobrir sobre a progenitora e biografá-la de forma a devolver-lhe a justa notoriedade devida ao seu talento. De alguma forma reconciliando-se com uma parte desconfortável do seu próprio passado. E assim pudemos reencontrar a esquecida obra de um dos grandes nomes da fotografia do século XX: Lee Miller.
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