sexta-feira, maio 20, 2022

O Traidor, Marco Bellocchio, 2019

 

Era pesado o clima que se sentia em Palermo, quando ali passei no verão de 1989. Estavam na ordem do dia os julgamentos dos mafiosos denunciados por Tommaso Buscetta, nomeadamente do tenebroso Totó Riina, chefe dos Corleone, e o juiz Falcone era visto como herói pela maioria dos italianos, mas execrado por todos quantos lucravam com a corrupção instituída como prática corrente em todos os negócios lucrativos, quer lícitos, quer ilícitos. E sabemo-lo de há muito: alguns dos mais conhecidos políticos da direita estavam enfeudados a essa organização clandestina, dotada de um «código de honra» muito peculiar.

Na abordagem a esses factos históricos, Bellocchio ignora ostensivamente os cânones estabelecidos pelos cinema norte-americano para aquele que se tornou um dos seus mais glosados géneros. Não há endeusamento, nem sequer a mínima simpatia pelos criminosos. Quer denunciante, quer denunciados, são mesquinhos nos interesses e comportamentos. Anseiam por dinheiro e poder escusando-se a assumir o mínimo escrúpulo. E é com essa realidade, que Falcone se confronta, ademais igualmente ameaçado pelo poder político e pela sua hierarquia, que antipatiza ostensivamente com a sua estratégia e métodos.

Bellocchio foi hábil em apoiar-se em dois excelentes atores para os protagonistas do filme: Pierfrancesco Favino é um Buscetta, que vê a cupidez ameaçada pela ainda maior ganância dos rivais e nem quando foge para o Brasil se exime de ameaças, que não poupam os amigos mais próximos e quase o vitimizam. Fausto Russo Alesi é o persistente Falcone, sempre a agir no fio da navalha, ciente de quanto fica com a vida em risco só por querer levar a missão até ao fim.

Lamente-se, porém, que a Itália não tenha mudado tanto quanto o combate à corrupção pressuporia possível. Tanto mais que as extremas-direitas, filiadas nesse cancro social, continuam a ter um ascendente político, que as inábeis esquerdas não têm sabido contrariar. 

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