Parece que Flaubert nunca disse a icónica frase “Madame Bovary c’est moi”, mas ela expressa a ideia de haver uma identificação mais do que óbvia entre o escritor e os seus personagens, mormente pelos protagonistas dos seus romances.
Pensei nisso ao chegar a um terço de «O Naufrágio» de João Tordo, tendo em conta o tema, que começa a ser-lhe dominante: Jaime Toledo, um escritor cinquentenário a contas com um cancro em fase avançada, vê-se acusado de assédio sexual por sete mulheres, que dele se sentiram vítimas, desconstruindo-se, ficando doravante traumatizadas pela toxicidade da relação com ele mantida. E com uma delas, Alice, a primeira a denunciá-lo, até sentimos a empatia com quanto sofreu ao descrever-nos a experiência na primeira pessoa.
Nesta altura do livro ainda estou numa posição ambivalente a seu respeito até por manter essa atitude relativamente a tal problema: se não tenho dúvidas quanto a Dominique Strauss-Kahn ou a Harvey Weinstein, que coloco facilmente no canto dos crápulas, já tenho sérias reservas relativamente a Roman Polanski, Woody Allen ou Philip Roth, todos três vítimas do fanatismo de um movimento alimentado pelas redes sociais e que tende a armar fogueiras com a exagerada facilidade com que a Inquisição o fazia.
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