Uma das imagens mais reveladoras do filme de Konchalovsky acontece quase no final, quando o protagonista - Lyokha, o carteiro da aldeia à beira do lago Kenozero onde se concentra quase toda a ação - está a partilhar um cigarro com um vizinho e, nas suas costas, sobe nos céus um foguetão. Ao contrário do que sucedia em Siberíada, a maravilhosa epopeia sobre o socialismo romântico estreada em 1979 - e um dos melhores filmes dessa década! - Kontchalovsky já não ilustra um testemunho da Rússia pós-soviética a abeirar-se da Utopia (nem sequer a capitalista!). Os homens perderam-se nos copos de vodka, as mulheres preferem estar sozinhas do que mal acompanhadas e as moscas constituem incómodo contra as quais nada resulta. Os velhos vão sobrevivendo à custa de magras pensões, os generais fazem o que querem sem olharem para as leis, que as autoridades vão querendo impor sem tergiversações sobre quem anda a enganar a fome com os proibidos peixes do lago.
Se há explicação para os impasses da atual guerra na Ucrânia na falta de ânimo de uma população desalentada pela falta de perspetivas futuras, As Noites Brancas do Carteiro trá-la a lume na conformada rendição a uma realidade, que sobrepõe-se às circunstâncias na sua génese.
Depois de ter encarnado várias vidas - incluindo a de rodar filmes de ação com Schwarzenegger em Hollywood - o octogenário realizador russo ainda demonstra ser um grande Mestre.
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