Eis-nos chegados ao fim do ciclo de filmes produzidos pela BBC para divulgar algumas das peças de William Shakespeare, e se começámos pelo fim - «A Tempestade» - optámos por concluir quase pelo princípio, ou seja por uma das suas comédias mais antigas, mas frequentemente levadas à cena nos palcos de todo o mundo e que muitos conheceram na versão de Franco Zeffirelli com Elizabeth Taylor e Richard Burton nos papéis principais.
É também daquelas obras, que mais cabelos em pé põem às feministas e lhes dão razão quando classificam o bardo inglês como tremendamente misógino. Aqui o que está em causa é a receita para melhor amansar as feras, ou seja as mulheres cujos caprichos e teimosias são tidas como passíveis de «domesticar».
Seja porque dispunha de tempo insuficiente para criar o texto tendo em conta o ritmo das apresentações das suas peças, seja por não sentir-se com desenvoltura bastante para tal, esta foi obra escrita com a colaboração de outro autor, cuja identidade se aponta ora para Thomas Lodge, ora para Robert Greene, ora para George Chapman, sem se chegar a qualquer conclusão. Mas quem a estudou mais aprofundadamente é unânime em que as partes da autoria de Shakespeare - o Prólogo e as cenas com Petrúnio e Catherine estão uns furos acima das do colaborador, que se responsabilizou pelas focalizadas em Bianca.
Há também quem lamente que o Prólogo não tivesse dado por si mesmo espaço para uma peça efetivamente autónoma, tão prometedora se mostra no tema da inversão das hierarquias, cujo potencial era enorme enquanto sinónimo de irreverência para com os cânones sociais de então.
Nessa estória, antes da principal, um nobre vem da caça com excelente disposição e decide pregar saborosa partida ao caldeireiro Sly, que encontra completamente embriagado à porta da albergaria.
Leva-o consigo para o castelo e, ao despertar, convence-o de ser um aristocrata há muito inconsciente devido a grave doença e finalmente regressado à realidade. É um atónito “convalescente”, que é convidado a presidir à récita de uma companhia de teatro ambulante, incumbida da representação de «A Fera Amansada».
Desaparecem tais personagens e eis-nos em Pádua onde a bela Bianca provoca suspiros de desejo em vários pretendentes. Mas o pai, Batista, impõe uma regra: só aceita casar a filha mais nova depois de despachada a mais velha, Catherina, conhecida pelos caprichos e teimosia.
Para contornarem a dificuldade, Hortênsio e Grémio convocam um amigo de Verona, Petruchio, que, completamente falido, vê na suposta megera a forma de resolver as dificuldades com que se debate. Por isso atura-lhe os maiores desaforos, sempre a considerando encantadora. Nesse papel masculino reconhecemos John Cleese, na altura bastante envolvido na série «Monty Pithon’s Flying Circus».
O velho Batista fica feliz, quando pode, enfim, entregar a filha no altar ao assertivo noivo. Mas, não tarda que Catherine se confronte com a duplicidade do hipócrita: já instalada na sua austera casa sofre-lhe as mais abomináveis afrontas e humilhações, vendo-se privada de comida, de sono e, até, dos seus elegantes vestidos. Cúmulo dos cúmulos tem de ouvir e repetir as expressões mais absurdas como se os raios solares fossem os da Lua ou estando-se de manhã, quando a tarde já ia avançada.
Lucêncio, um dos pretendentes, mais impetuosos e, ademais, contando com a colaboração de um escudeiro particularmente engenhoso (Trânio), consegue afastar os rivais, seja pela intriga mais soez - mas garantindo comicidade bastante para divertir o público! - seja atirando-os para os braços de outras candidatas. Hortênsio vê-se assim comprometido com uma viúva igualmente apelativa nos encantos.
A peça conclui-se com um banquete a juntar todos os nubentes e em que Petruchio ganha a aposta quanto a quem possui esposa mais obediente. É essa a “mensagem” da farsa, a tal que exasperará gerações de defensoras dos direitos das mulheres: todas as esposas devem mostrar submissão para com os seus maridos!
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