A primeira vez que dei atenção ao trabalho fotográfico de Steve McCurry foi na célebre capa da «National Geographic» com Charbat Gula, uma adolescente afegã de olhos claros, que ilustrava, na sua tristeza, a triste sorte dos que se viam refugiados dentro do seu país por causa da guerra. Quando dezassete anos depois foi novamente procura-la, encontrou-a casada, precocemente envelhecida e ainda mais miserável do que a conhecera.
Essa imagem ilustrava bem o projeto do fotógrafo: mais do que o aspeto meramente estético da imagem colhida, interessa-o o lado ético, que é o desses rostos contarem as suas histórias, revelando o que mais no íntimo sentem. Por isso, muito embora tenha estado em inúmeros teatros de guerra, não o motivaram as imagens dos combates, mas os das populações civis obrigadas a saírem das casas e terras e a procurarem socorro imprevisível onde pudesse ser prestado.
Conhecido pelo recurso a cores vivas, interessou-se sobretudo pela Ásia e as suas perdidas civilizações do passado, bastante mais avançadas dos que as conhecidas na Europa, suas contemporâneas..
O seu modo de agir é simples: nunca recorrendo ao flash e raramente ao tripé, limita-se a ter a máquina a postos para captar os momentos únicos, que se lhe vão deparando. Foi isso que aconteceu na manhã de 11 de setembro de 2001, quando lhe telefonaram a alertar para a coluna de fumo, que saía de um dos prédios do World Trade Center.
Ele chegara na véspera a Nova Iorque, vindo do tranquilo Tibete, e não imaginava como o regresso a casa se anunciava tão turbulento. Da varanda da casa, na Washington Square, começou, de imediata, a construir o portfolio sobre um tema que, desde o primeiro instante, compreendeu ter uma dimensão excecional. Porque o que se lhe deparava punha-o na sensação dubitativa de ser ou não verdadeiro. Estaria num sonho, ou antes, num pesadelo?, perguntara-se quando, primeiro uma, depois a outra, viu as duas torres implodirem.
Nesse instante sentiu-se grato pela paralisia, que o prendera a esse ponto de observação em vez de acorrer rapidamente ao local devastado: tivesse correspondido a esse impulso e seria pulverizado, como aconteceu a quem estava perto demais quando a área circundante foi atingida por toneladas de cinzas e restos das armaduras metálicas.
Quando se aproximou do Ground Zero, McCurry sentiu-se num cenário surreal. Havia um pó branco a cobrir tudo à mistura com papéis ainda a tombarem lentamente. A única coisa que consciencializou foi a profunda mudança expetável, quer na sua vida, quer na do mundo. Se a tentação era grande para ceder às emoções, a vertebra profissional instigava-o a manter a cabeça fria para melhor concretizar o trabalho.
Quando voltou para casa, já passava das nove da noite, mas não conseguiu dormir. Alta madrugada decidiu voltar para onde polícias, bombeiros e seguranças procuravam dar uma aparência de organização ao caos da área sinistrada. Acumulou imagens até dali ser expulso por quem já não aguentava mais com o que entendia como profanação do espaço tumular com o seu quê de sagrado.
As imagens obtidas nesses dias 11 e 12 de setembro tornar-se-iam icónicas, mas para McCurry também assumiam a importância de uma tragédia, que o perturbaria por muitos anos. Por isso, depois de as entregar à Times, não as quis ver durante vários anos até as utilizar num livro antológico para entender a dimensão histórica dos ataques terroristas...
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