Conheci a China quando os acontecimentos da Praça Tiananmen já se iam diluindo na memória dos que por eles se tinham interessado à distância sem saberem bem o que pensar. Na altura tentei abordar o sucedido com o Deng e o Wang, que me serviram de intérpretes nos contactos com os responsáveis do estaleiro de Pudong, onde acompanhava importante reparação de um navio, mas furtavam-se ao assunto, fazendo juras de grande fidelidade ao poder.
Quase trinta anos passados poderei escandalizar algumas consciências mais sensíveis, mas acredito na bondade da decisão então tomada pelos dirigentes chineses, mormente com a cobertura de Deng Tsiaoping, que ainda lhes balizava os rumos a seguir para repararem os danos causados pelo maoísmo, sobretudo durante a Grande Revolução Cultural.
Tivessem os chineses conhecido algo de parecido com o da implosão da União Soviética e ocorreria caos semelhante com prejuízo para si e para o instável planeta. O que nos não impede de apreciar o trabalho fotográfico então realizado por Stuart Franklin a pedido da agência Magnum para a revista «Time», que mostra bem a vertigem por que passaram os estudantes e os operários de um lado, e os militares do regime pelo outro, até ao dia da definição da relação de forças, com a vitória a pender para os segundos.
Franklin nascera em Londres e o interesse pelas fotografias surgira-lhe muito cedo, quando ambicionou viajar, tomando a câmara como uma espécie de tácito passaporte. Compreensivelmente formou-se em Geografia pela Universidade de Oxford.
Antes de chegar à célebre cooperativa de grandes fotógrafos andara a captar imagens em zonas onde a pobreza extrema o impressionou, nomeadamente no Sudão e na Etiópia. Já então exigia que o fator humano estivesse no centro do seu trabalho.
Quando captou a conhecidíssima imagem do homem com um saco em cada mão a enfrentar os tanques, já tudo terminara: muita gente morrera na desocupação da praça e as forças vencedoras regressavam às respetivas bases.
O ato quixotesco do desconhecido, que foi retirado à pressa do meio da estrada pelos amigos - é rotundamente falsa a lenda segundo a qual fora esmagado! - ilustra o sentimento de derrota dos que tinham chegado a acreditar noutro desiderato.
No relato da experiência, Franklin conta como à chegada pela primeira vez à Praça, na última semana de maio, encontrara um ambiente de festival e rock. Muitas bandeiras e música por todo o lado. Alguns estudantes estavam em greve da fome mas, naquela confusão, nem sequer os conseguira identificar.
No dia 30 os estudantes levaram para a Praça uma enorme réplica da Estátua da Liberdade, que crismaram como «Deusa da Democracia». Foi nessa altura que, depois das dúvidas iniciais, o regime decidiu agir. Por isso mesmo começaram-se a ver cada vez mais soldados na periferia da praça e o clima de tensão a aumentar.
Na noite de 4 de junho os militares avançaram e Franklin, condicionado conjuntamente com os outros fotógrafos ocidentais a ficar no interior do hotel, assistiu a tudo da varanda do quarto. Não podia cumprir a regra de Capa para conseguir boas fotografias - estar suficientemente perto! - mas o que perdeu em qualidade ganhou em testemunho da repressão violenta então verificada.
Bem procuraram as autoridades apossarem-se das câmaras e dos rolos de fotografias dos profissionais estrangeiros, mas Franklin conseguiu dissimular os seus dentro de uma caixa de chá incumbindo um estudante francês, então repatriado, de trazê-los para Paris.
Nos dias seguintes a imagem do homem face ao tanque tornou-se emblemática da relação desigual de forças entre os insurretos e os meios mobilizados para os vencer.
Como fotógrafo Flanklin cumpriu o seu desígnio: cristalizar a emoção do acontecimento, quando estava em acelerada clarificação.
Sempre cioso da vocação interventiva da arte captaria depois outras imagens bastante conhecidas, quando a ecologista Julia Hill permaneceu mais de um ano no topo de uma sequoia para lhe impedir o abate. Mas antes, em 1999, já publicara o primeiro álbum, «The Time of the Trees» em que denunciava a acelerada destruição das floresta na metade malaia da ilha de Bornéu.
As cidades também lhe não têm sido alheias nas preocupações: fazendo bastantes trabalhos sobre elas para a «National Geographic», acentua-lhes sobretudo o forte carácter inovador.
Por todas essas obras, e não apenas pelas recolhidas na Praça Tienanmen, Franklin é um dos principais fotógrafos do nosso tempo.
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