Este título corresponde a uma das mais interessantes expressões de José Pedro Croft na entrevista dada a Ana Soromenho numa das mais recentes edições da revista do «Expresso». É que, nele, o fascínio pela surpresa é permanente como se depreende da confissão sobre o agrado que, enquanto viajante, lhe pode dar uma curva da estrada a abrir-se para uma paisagem nova e insuspeita.
Adivinhamos-lhe por isso a satisfação de andar por estes meses em Veneza a preparar a participação na Bienal de Arte do corrente ano, porque, se houve cidade capaz de suscitar em mim uma semelhante reação de espanto foi enquanto passeei pelas ruas menos frequentadas, e mais afastadas da Praça de São Marcos, quando a sua labiríntica extensão me deu sobejas vezes o espanto de virar uma esquina e encontrar uma belíssima igreja à espera de ser descoberta, ou a ilha de San Michele, onde nunca tive disponibilidade para visitar as campas dos ilustres ali sepultados.
José Pedro Croft corresponde àquele tipo de artistas cujas obras me suscitam discussões frequentes com alguns amigos para quem a arte tem de comportar uma estética padronizada pelo que vulgarmente se entende como «belo». Algo que não reconhecem nas estruturas desconjuntadas do escultor em tempos acolhido no atelier algarvio de João Cutileiro como aprendiz nos trabalhos em mármore.
Para a maioria dos que se dirão desagradados com as peças do artista, é-lhes inacessível o simbolismo de cada elemento. Na entrevista ao «Expresso», ele explica o significado das portas incluídas nos seus trabalhos: “uma porta (…) é o objeto que dá acesso ou interdita a passagem. Usamo-la nessa função sem a questionar mas se a retirarmos do contexto adquire uma identidade autónoma. Passa a agir livremente e ganha imensas possibilidades”. Confirma-se, assim, a necessidade de recorrermos à filosofia para desencriptarmos o que cada obra nos possa sugerir. Mas Croft prossegue essa explicação sobre um tão vulgar elemento da arquitetura: “uma porta tem a forma do retângulo e também a medida do nosso corpo. Remete-nos para uma coisa primordial, que é a ideia da campa. Pode passar a funcionar como uma estela, a marcação vertical num território que corresponde à memória de alguém que existiu.”
A ideia de morte, de precariedade, está naturalmente presente em muitas das suas peças inacabadas. É ele próprio quem reconhece que os seus desenhos são sujos, feitos em materiais pobres: “Na escultura uso materiais precários, que já existem. São lixo, entre aspas. O ferro, muitas vezes, é um ferro enferrujado. São peças torpes, difíceis, quase indiferentes. Aquele gesso com aquele bocado de pedra não é uma coisa absolutamente fascinante. O fascínio tem a ver com o somatório de coisas improváveis. A partir daqui, sem quase nunca sair do mesmo sítio, tenho inúmeras possibilidades.”
Não serão muitos os entusiastas da obra de Croft no círculo em que me movo. Mas que se trata de um artista com uma identidade muito própria, ninguém o pode desmentir.
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