Se há filme onde é crime levar para a sala um grande balde de pipocas é «A Morte de Luís XIV» de Albert Serra. E, no entanto, foi isso que vivenciei com quem se sentou do outro lado da coxia e me causou óbvio incómodo.
Passado exclusivamente no quarto onde o nublado Rei Sol vai cedendo a acelerada gangrena, o filme é intimista, exigindo dos espectadores uma disponibilidade para a lentidão do estertor em causa. Daí que os menos disponíveis para a experiência fossem saindo a partir do meio do filme. Até porque, para além dos diálogos, quantas vezes apenas ciciados, a obra quase evita a banda sonora musical.
Se «Le Roi Danse», que Gerard Corbiau rodou em 2000, era sinónimo de exuberância, este é de absoluta soturnidade. A iluminação facultada pelos candelabros de velas é sombria e se, de início, o doente ainda ia conseguindo interagir com os cortesãos ou com os cães, a doença vai-o remetendo a progressivo silêncio e imobilidade, assistindo-se aos esforços dos médicos e dos padres para lhe garantirem, ora a salvação do corpo, ora a da alma.
Jean Pierre Léaud tem a grande interpretação, que toda a crítica unanimemente saúda. Quão longe estamos dos tempos em que, ainda adolescente, protagonizava «Les 400 Coups» de Truffaut. Passaram-se 58 anos e a comprovação do envelhecimento serve-nos de espelho para sentirmos o crepúsculo dos iluminados e irrepetíveis dias deixados para trás.
O que incomoda na proposta de Serra é que, tratando-se da morte de Luís XIV é a nossa que se pressente, porque há sempre o efeito de identificação com o personagem. E inquieta-nos o sofrimento que comporta, a desolação por ficarem distantes os sons do que outrora nos entusiasmava (as festas, os concertos, etc) e agora nos é inacessível.
Não é só o Rei que deixa de dançar. Nós próprios sentimos aproximar-se o momento em que temos encontro com o Nada que se segue ao último suspiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário