À revelação inicial de terem existido mulheres audazes, décadas a fio a desafiarem o mar em pequenos barcos como arrais de campanhas, total ou parcialmente constituídas por mulheres, é tema aliciante. Daí a predisposição para encarar com a maior das disponibilidades o filme de Gonçalo Tocha, que tem as mulheres da comunidade piscatória de Vila Chã, perto de Vila do Conde, como protagonistas da sua investigação etnológica, vertida em filme.
A exemplo das japonesas, pescadoras de pérolas, que Cláudia Varejão andou a filmar recentemente, poderíamos tê-las como intérpretes de discursos feministas de indubitável convicção. Mas a realidade é outra: se umas e outras arriscaram a vida e arruinaram a saúde em prolongada disputa com o mar foi por não terem alternativa para garantirem o sustento. Era a fome e a miséria a empurra-las para a faina, resgatando das águas o magro arrimo.
Essa é uma das conclusões a retirar do filme, que vai ouvir quem as conheceu ou a única que persiste nessa labuta, muito embora passe mais tempo a recolher sargaço com a água acima da cintura do que propriamente em dirigir a proa do barco até ao mar alto.
Porque se trata de uma encomenda da organização do Festival de Vila do Conde o filme não é tão homogéneo quanto o rodado na ilha do Corvo: às tantas as imagens divergem desse tema inicial e incidem na crise do setor, como se conclui da redução abrupta de barcos e pessoas ainda envolvidas na atividade. E, na generosidade para quem o acolheu Tocha até permite momento particularmente constrangedor, quando um dos mais velhos pescadores da aldeia impõe uma declaração de amor ao mar, que tem muito de kitsch. Mas pouco interessam esses momentos controversos quando o essencial já se transmitira pelas vozes e rostos dos que evocam um tempo sem regresso.
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