Teria sido «Vingança ao Anoitecer» um filme muito diferente se Paul Schrader tivesse podido concluir a rodagem e assegurar a montagem, de que se viu impedido pelos produtores? Há quem tenha acedido à versão proposta pelo realizador e considerado que as diferenças não eram tão relevantes quantas as que ele pretendeu reivindicar. Mas dê-se o beneplácito da dúvida, porque o que se pode ver é lamentavelmente mau.
É verdade que o personagem Evan Lake, interpretado por Nicholas Cage com o seu atávico cabotinismo, tem as características das habitualmente encontradas nos filmes realizados ou com argumento de Schrader: ele é o solitário no meio de um corpo coletivo de que se sente ostracizado (CIA), mas disposto a aproveitar o pouco de tempo de vida, que lhe resta, para se vingar de quem o torturou há mais de vinte anos. Nunca tendo acreditado na morte de Mohammed Benir, ele só sentirá cumprida a sua versão de Justiça se, qual cowboy solitário, o for procurar ao Quénia para o matar.
Há nesse Evan Lake o mesmo desespero e determinação que George C. Scott compunha num dos filmes dos anos 70 - «A Rapariga da Zona Quente» - em que ia à procura da filha entretanto apanhada numa rede de prostituição e cuidava de se vingar dos responsáveis por tal profanação.
O pior é, já não bastando Nicolas Cage repetir ad nauseum a habitual composição excessiva do personagem, o argumento pejado de inverosimilhanças, que fazem tudo aquilo soar a falso.
Ademais, logo no discurso com que inicia o filme, Lake interpela os candidatos à inserção em Fort Langley com o mesmo tom gritante a postura corporal de Trump nos seus comícios, como se a personagem mais não fizesse do que replicar o tipo de “liderança” já anunciada como possível, mesmo que então soasse a piada de mau gosto.
Ideologicamente o filme, mesmo que enjeitado pelo realizador, tem explicito um discurso de acordo com o que a nova Administração personificará: a rejeição dos anos Obama e da correspondente ineficiência da CIA em defender os interesses norte-americanos um pouco por todo o mundo, algo que os Evan Lakes dos próximos quatro anos tenderão a «corrigir». Com tudo o que isso poderá significar em criação de novos focos de conflito num planeta já deles tão saturado.
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