Durante muitos anos andei a ler Michel Onfray com entusiasmo, não só pelo seu argumentário erudito, mas sobretudo por nele encontrar consonância com o materialismo ateu, que perfilho com inquestionável convicção.
Tem existido, porém, uma progressão acelerada de Onfray de um posicionamento político de esquerda para o campo contrário a tal ponto que faz todo o sentido inclui-lo no conjunto dos «novos reacionários», que tanto sucesso andam a ter numa certa intelectualidade francesa.
Num romance excelente, que ando a ler - «O Ruído do Tempo» - Julian Barnes refere a tendência para, com a idade, os otimistas de ontem se converterem em pessimistas, embora alguns tendam a moderá-lo com umas pitadas de ironia. Trata-se de uma revisão do conceito tradicional de a idade tender a transformar os azougados esquerdistas de ontem nos mais empenhados direitistas de hoje. Como se a biologia transformasse a degenerescência dos corpos no correspondente abastardamento das «almas», não sendo todos e, até ver, muitos, os que conseguem ficar «forever young», ou seja otimistas na vontade (mesmo com a razão a apelá-los sem sucesso ao pessimismo).
Não é isso que tem sucedido com Onfray, que aparenta uma zanga com este Ocidente em que vivemos e para ele em vias de se extinguir. Começando «Decadence» com a abordagem da evolução cósmica, que leva os corpos celestes a nascerem, crescerem, viverem e depois morrerem, assim mesmo ele vê a civilização ocidental, nascida há dois mil anos a partir de uma mentira - o endeusamento de Jesus Cristo - e agora à beira da extinção, depois de ter culminado o seu subjacente antissemitismo no Holocausto.
Para substitui-lo ele propõe duas possibilidades - o trans humanismo pós apocalítico ou a conquista pelo Islão, a quem ele admira a dinâmica do fervor, bem mais eficiente do que o niilismo europeu.
Onfray vira as costas à dialética hegeliana e ao materialismo marxista apostando num determinismo cósmico, que entende incontornável, não hesitando em manipular os dados históricos e distorcer as teses que não se enquadram tão harmoniosamente quanto desejaria na sua teoria para a dar como definitiva.
Terá assim garantido polémica suficiente para satisfazer o narcisismo de aparecer em tudo quanto é revista ou programa de televisão como arauto da decadência sem remissão. Mas ele exemplifica bem a razão porque a França tem vivido e parece condenada a viver com líderes sem carisma, porque despojados de ideias redentoras, de mensagens de consistente esperança.
Como poderemos esperar Políticos com p grande, quando aos Aragons, aos Camus, aos Sartres, mesmo aos Arons do passado, correspondem agora os Houellebecqs ou os Onfrays?
Embora lhe tenha comprado o anterior «Cosmos», será pouco provável que venha a ler este «Decadence».
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