Em «Westworld» - a série, não o filme! - o personagem interpretado por Anthony Hopkins conta a história de um galgo, habituado às corridas em que o punham a perseguir a réplica do coelho, e levado ao parque público pelos donos. Vendo-se de rédea solta põe-se a correr como um desalmado, assustando um gatito cujo instinto o leva a fugir. Claro que o galgo vai-lhe no encalço, apanha-o e mata-o.
Horrorizados com a cena, os donos vão agarrá-lo e sentem-no confuso, incapaz de compreender o que tinha acabado de fazer.
Está aqui uma metáfora curiosa sobre a vida. As nossas sociedades criam reflexos tão condicionados sobre quem manipula, que os atos gratuitos tornam-se banais, mesmo quando eivados da maior crueldade. Muitos crimes ou acidentes são o resultado do frenesim imposto pela lógica da competitividade, da produtividade do modelo económico com que asseguramos o sustento. Falta-nos tempo para refletir, para fruir ou simplesmente descontrair. Mas, mesmo no que se organiza com este último propósito, o efeito de catarse acaba por suscitar comportamentos de ódio como os perpetrados por quantos tomam os espetáculos desportivos em questão de vida ou de morte. O hooliganismo corresponde à libertação de tensões, que resultam das frustrações por não se fazer o que se gosta ou por não se ser querido como se precisaria.
Se filósofos da primeira metade do século XX realçaram a importância do Ser sobre o Ter, muitos dos pressupostos de que partiam tornaram-se pasto dos oportunistas da autoajuda, que nunca relacionam a imprescindibilidade de associar o autoaperfeiçoamento pessoal com o papel decisivo na alteração do tipo de sistema económico em que vivemos.
Se o capitalismo em geral, e o neoliberalismo em particular, nos quis transformar em galgos impelidos a esfalfarem-se o mais possível por objetivos apenas do interesse de quem os ali impôs, é ele quem deverá ser posto em causa, quando se trata de lutar contra o crescimento das depressões ou dos suicídios. Porque, a exemplo dos robôs dessa série, a consciência da condição de não se ser senão aquilo para que os têm formatado, nós somos bem mais o produto das circunstâncias de que falava Ortega y Gasset do que quem pressentimos no íntimo.
É nesse sentido que muitos filmes e séries, voluntariamente ou não (desconheço a intenção efetiva dos autores!), impelem-nos para a equação do nosso papel social em contraponto ao tal Eu, que tendemos a apagar na sua genuinidade. Porque ser ou não ser, continua a na ordem do dia, e não é neste modelo de organização social, que tendemos a encontrar a pretendida resposta…
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