terça-feira, agosto 13, 2019

(DL) A obsessão com a Morte em Louise Erdrich e Don DeLillo


O medo da morte constitui um tema literário tão pertinente, que o encontro em duas das leituras em que ando ocupado com particular deleite. Em «Domínio», conto de Louise Erdrich, originalmente publicado na revista Granta, Bernadette dirige-se a uma sociedade especializada para fazer o upload da sua identidade dadas as limitações físicas decorrentes de uma queda, que lhe afetaram as pernas. O novo corpo, proporcionado pelos serviços da corporação mediante a injeção de um vírus, é feito exclusivamente de pensamento e a expetativa da protagonista não pode ser de maior entusiasmo. Mas, como ainda vou a meio da história, adivinho que se porá a questão da aferição quanto à correspondência da identidade nessa nova circunstância com a anterior. Será que quem somos não depende da conjugação entre o nosso ser sensorial e o psíquico, passando-se a ser Outro, quando um deles desaparece?
Ora esse é, igualmente, o tema do excelente romance de Don DeLillo, que ando a revisitar. Para quem ainda o não saiba este norte-americano, já octogenário, é o meu candidato natural ao Nobel, agora que Philip Roth, ficou definitivamente de fora.
Em «Zero K» Jeff Lockhart vai ao encontro do pai e da jovem madrasta num deserto onde foi instalado o Projeto Convergência. Aí as cobaias sujeitam-se a ficar em suspensão criogénica enquanto a Medicina não arranja solução para lhes curar os males incuráveis. Artis sofre de esclerose múltipla, e o marido, Ross, pretende acompanhá-la na experiência, não só por não encarar a possibilidade de sem ela viver, mas sobretudo, porque, nesse estado de hibernação, os cérebros ficam em permanente comunicação. Uma vez mais põe-se a questão de saber-se até que ponto existe coincidência entre quem se é fora ou dentro do casulo desse laboratório.
Um e outro exemplo literário denotam a preocupação crescente de alguns privilegiados das sociedades mais ricas do nosso tempo em conseguirem um maximizado prolongamento da sua existência. Em Silicon Valley há quem se preocupe em experimentar tecnologias, que façam aceder a espécie humana aos 150 anos, ou talvez mais.
Para quê, perguntar-se-á. Não basta o que a medicina, na sua atual fase de oferta de soluções, já possa oferecer? E não é verdade que muitos subscreveriam plenamente a célebre frase do poeta José Gomes Ferreira para o qual “viver sempre também cansa”?
Na realidade seria preferível que esse tipo de investigação científica não tivesse prioridade sobre a bem mais necessária aprovação do direito de cada um escolher o momento da sua morte, clinicamente assistida, sem ter de dar explicações a quem quer que seja. Apenas por considerar chegado o melhor momento para o reencontro com o Nada...

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