quarta-feira, agosto 28, 2019

(DIM) «A Árvore da Vida» de Terrence Mallick (2010)


Em 2011 «A Arvore da Vida» ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, mas as reações dos espetadores foram extremadas: houve quem gostasse muito, houve quem detestasse. Indiferença é o que o filme me suscita, por muito que abundem imagens extremamente bonitas potenciadas pelo saber do mestre Douglas Trumbull, uma vez mais desafiado para um projeto à altura do que conseguira com «2001, Odisseia no Espaço».
A indiferença devo-a ao impenitente ateísmo, que me distancia de qualquer explicação transcendental sobre os «mistérios» da existência: se o misticismo bíblico nada me diz, a não ser como curiosidade histórica e sociológica, o panteísmo não justifica melhor acolhimento. Não vejo interligação consistente entre o individual e o universal para além do que qualquer outro pedaço de matéria possa ter com essa suposta entidade divina e infinita. A transcendência é fenómeno, que me passa totalmente ao lado.
Interessa-me mais como representação dos valores e comportamentos de uma família típica da América dos anos 50, com um pai profissionalmente frustrado, incapaz de encontrar o meio termo entre a máscara da severidade, que entende ser a sua de acordo com o que dele se espera enquanto chefe de família, e o afeto pelos filhos, de quem não consegue verdadeiramente aproximar-se. E também a personalidade infantilizada da mãe, que corresponde ao estereotipo vendido pelo poder político quando, acabada a guerra, e regressados os militares destacados para a Europa e o Extremo Oriente, mandou voltar para casa o exército de trabalhadoras, momentaneamente ocupadas nas fábricas, responsáveis por terem mantido a América em funcionamento.
Terrence Mallick, que nasceu numa terra semelhante do Illinois durante a guerra (1943) terá vivido as mesmas circunstâncias, que aqui surgem protagonizadas pelo primogénito dos O’Brien.
Há, igualmente, o tema da perda de um ente querido e o quanto ele põe em causa a tal graça divina a cuja proteção se entregam os mais devotos seguidores de um Deus injusto. Justificam-se então todas as perguntas sobre a sua razão de ser desse ser impotente, inexistente e ignorante de todo o sofrimento por que passam os sobrevivos enlutados. Como aceitar que os caminhos do Senhor sejam insondáveis? O que ganham os crentes com tão manifesta inutilidade?
Outro tema explorado por Mallick é o da passagem da infância para a adolescência com a emergência do sentimento de rebeldia e a descoberta do sexo, essa realidade adulta sobre que se tece a maior das confusões na mente dos miúdos. Jack sofre por não controlar os instintos, que o levam a detestar o pai, a praticar atos gratuitos de vandalismo ou a invadir a casa da vizinha para lhe procurar as peças de lingerie. Uma vez mais esse Deus ausente a quem implora para que o ajude a corrigir-se acaba por não lhe servir de paliativo.
Sobra, enfim, a principal conclusão de Mallick sobre uma América, que em nada coincide com a do mítico sonho de sucesso:  não só Jack, já enquanto homem maduro, tem dificuldades em manter a capa de arquiteto de sucesso, como também o pai encontrara no espectro do desemprego a outra face da moeda da ambição de conseguir ser o músico, que nunca terá conseguido ser, ou o milionário vendedor de duas dúzias de patente, que não encontram comprador.
Há quem incense Mallick como genial e raro criador da cinema americano do último meio século, mas convenhamos que, apesar de algumas obras estimáveis, sucede com ele o que um conhecido provérbio associa: as vozes acabam por ser bem mais numerosas do que as nozes. Desconfio que, a exemplo de tantas obras consagradas na altura da estreia, esta seja mais uma a cair inapelavelmente no esquecimento.

Sem comentários: