domingo, agosto 11, 2019

(C) A arte e a desflorestação como fatores de mudança nos comportamentos sociais


Numa conferência a que já fiz aqui referência, ocorrida na Universidade de Nantes em 2017, o neurologista Boris Cyrulnik dá dois exemplos eloquentes de como a arte pode promover significativas alterações nos paradigmas sociais até então vigentes.
O primeiro refere-se à personagem Cosette n’«Os Miseráveis» de Victor Hugo. Até então os órfãos eram considerados coisas sem valor em quem não se investiam afetos nem educação. As raparigas eram direcionadas para virem a ser criadas ou prostitutas, os rapazes para bestas de carga antes de ingressarem no exército e morrerem na primeira linha de combate quando as muito frequentes guerras os condenavam a precoce fim.
Foi preciso que os leitores do romance de Hugo se comovessem com a triste sorte da rapariga (e também de Gavroche!) para que a sociedade exigisse dos poderes políticos a criação de condições (mesmo que precárias!) para darem aos miúdos sem pais um futuro menos fatal.
O outro exemplo focaliza-se no quadro de Géricault sobre os náufragos do La Meduse, que denunciou a situação ocorrida na costa ocidental africana quando a tripulação abandonara os passageiros a sua triste sorte enquanto se punha a salvo, quando o navio estava prestes a afundar-se.
Até então essa circunstância era aceite como banal. Foi a discussão pública do sucedido, e para o qual o impressivo quadro muito contribuiu, que veio exigir drástica alteração impondo o dever das tripulações priorizarem a salvação dos passageiros antes de cuidarem da sua com o comandante a ser o último a escapar. Ainda que em casos recentes - ao largo de Capetown ou na Sicília - essa regra não tenha sido satisfeita, os que a violaram viram-se execrados publicamente e até condenados nos tribunais.
Se precisássemos de demonstração sobre a influência da arte no que se passa à sua volta os sugeridos por Cyrulnik bastariam. Mas na mesma ocasião ele - que tem trabalhado com os pigmeus africanos - refere um exemplo igualmente singular de como a mudança na paisagem lhes tem alterado as características físicas. É que, vivendo imersos nas floresta profundas onde desenvolveram notáveis competências como caçadores, viram atrofiar-se os corpos por viverem quase sempre à sombra, sem estimularem as hormonas relacionadas com o crescimento. Ora, a desflorestação tem-nos obrigado a mudarem de comportamentos e, sobretudo, de habitats. Razão para, apenas no espaço de uma geração, verificar-se o crescimento dos filhos entre 20 a 30 centímetros em relação ao que era comum até então.

Sem comentários: