Belíssima declaração de amor que, com a sua quarta longa-metragem, Jean Luc Godard fez àquela que era então sua mulher - Anna Karina.
Nana é a vendedora de uma loja de discos, que não ganha o suficiente para se manter, decidindo prostituir-se por conta de um proxeneta, quando é expulsa do apartamento em que morava. Desamparada, frágil, ingénua e focalizada na procura da felicidade distingue-se da amiga Yvette quanto ao que faz dizendo-lhe «Tudo é belo! Só temos de nos interessar pelas coisas para detetarmos a beleza nelas contida!»
Compreende-se, assim, que, numa das cenas mais sublimes do filme, a vejamos comovida perante a projeção de «Joana d’Arc» de Carl Dreyer num ecrã de cinema.
A reverência ao mestre dinamarquês não é a única demonstração de cinefilia de Godard, que confessaria o quanto pensara em Rossellini ao conceber este filme. E, de facto, replica-lhe a mesma pureza da fotografia a preto-e-branco, a simplicidade da progressão dramática da história ou a vontade de acompanhar as deambulações quotidianas da protagonista, escusando-se a clarificar-lhe a psique. Mas também o recurso à elipse numa realização austera, mas nunca entediante.
Godard reverencia, igualmente, os filmes de série B, não só pelo constrangimento do orçamento curto e rodagem apressada, mas também pelas cenas de tiroteio na guerra entre gangues.
Dividida em doze quadros, a história é transmitida com muitos planos-sequência, mas também com súbitos zooms ao rosto de Nana, penteada ao jeito de Louise Brooks. Radiosa, apesar de se saber quão deprimida então se encontrava, Karina tem neste filme um dos seus mais memoráveis desempenhos. E, com inteira justiça, «Viver a sua vida» seria consagrado com o Prémio Especial do Júri no Festival de Veneza desse ano.
A mais de meio século de distância, ele ainda comporta um interesse suplementar: o de testemunhar fielmente como era a França em geral, e Paris em particular, nessa primeira metade de uma década, que iria concluir-se com uma surpreendente revolução.
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