segunda-feira, agosto 26, 2019

(DL) O Leão Africano de Amin Maalouf


É sempre com grande prazer, que volto aos romances e ensaios de Amin Maalouf, por me oferecerem uma perspetiva desviada do habitual eurocentrismo com que costumamos olhar para a História dos séculos idos e das culturas onde a involução religiosa teve o condão de tornar intolerantes quem, anteriormente, se distinguira pela convivência pacífica com quem tivera tez de outros tons e deuses diferentes dos seus. Não podemos esquecer que os judeus encontraram nos sultanatos e califados árabes uma liberdade religiosa e comercial que lhes faltou, amiúde, na Europa tomada pelo fanatismo inquisitorial.
O primeiro livro de Maalouf, que me veio parar às mãos, logo me impressionou por dar das Cruzadas medievais uma noção completamente oposta à até então acreditada: apesar da crueldade dos confrontos militares, os europeus distinguiam-se pela bestialidade analfabeta ao contrário dos árabes, então dotados de valores e cultura muito superiores às dos seus agressores.
Ao ficcionar a vida de Hassan-al-Hazzan que, no Vaticano, viria a ser conhecido como Leão, o Africano, Maalouf faz-nos viajar pelas palavras até ao Reino de Granada, onde ele nasceu, estavam os Reis Católicos quase a conquistá-lo.  No século XVI o protagonista será sucessivamente comerciante, diplomata, escravo e consultor do Papa. Viverá em Tombuctu, no Cairo, em Tunes, brevemente em Constantinopla e em Roma. Amará várias mulheres, que dele terão filhos, raramente reencontrados nos anos seguintes. Conhecerá os grandes acontecimentos do seu tempo, ora nas disputas quase tribais no Magreb, ora nas de dimensão continental com os otomanos a tomarem o Médio Oriente e o Egito ou o Sacro-Império a ameaçar a autonomia papal com a família dos Médicis a, através desta, marcarem a sua influência.
Homem de cultura Hassan é incumbido de embaixadas nas terras onde se vai radicando, umas vezes tornando-se num homem rico, noutras, e quase de um momento para o outro, a cair na mais extrema pobreza. Mas sempre com a preocupação de ir registando as vicissitudes por que vai passando, ciente de estar a construir um legado imprescindível para que os descendentes venham a dele ter a mais criteriosa caracterização. Com ele, como sucederia depois com Gabriel Garcia Marquez, viver tornou-se num imperativo para que pudesse escrever sobre quem fora e, sobretudo, fizera...

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