sexta-feira, agosto 23, 2019

(C) Para acabar de uma vez por todas com os romantismos astronómicos


Nos três anos em que passei os verões a navegar nas latitudes boreais, muito acima do Círculo Polar Ártico, nunca tive a sorte de assistir ao magnífico espetáculo luminoso suscitado  pelo impacto das partículas de vento solar com a alta atmosfera da Terra, canalizadas pelo campo magnético desta. Amiúde reitero essa perda, que equivale à de ter aportado em muitas das mais importantes ilhas caribenhas sem ter conhecido Cuba ou fazer escala em vários portos da Luisiana, do Mississípi ou do Texas e continuar fisicamente alheado do ambiente jazzístico de Nova Orleães.
Lição a retirar dessa experiência de duas dúzias de anos a percorrer os sete mares foi a de, por mais sítios fascinantes presencialmente abordados sobram sempre muitos mais, que ficaram por alcançar. No fundo uma réplica da conclusão socrática sobre o conhecimento e a consciência de muito pouco saber à medida que tanto se aprendeu.
Vem isto a propósito da excelente entrevista, inserida no «Público» desta quinta-feira, com o professor Rui Agostinho da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, pela desmistificação de muitas ideias românticas sobre tudo quanto diz respeito à Astronomia e à aventura espacial.
Retomando a pena de não ter visto auroras boreais ao vivo, talvez tenha saído a ganhar com o quanto essa experiência me poderia frustrar, porque uma coisa é o espetáculo tal qual no-lo apresentam os documentários e os filmes com a aceleração dos planos a darem a ilusão de um movimento que, na realidade, quase não existe. Pode ser excitante a visão de um céu pintado de muitas cores e tons, mas bem mais aliciante se revelaria acaso elas se fossem alterando ao ritmo dessas propostas cinematográficas.
Rui Agostinho afiança algo de parecido em relação ao que os astrónomos vislumbram a partir dos seus telescópios. Também aí funcionam as mistificações em torno das imagens recriadas sobre nebulosas e galáxias distantes, que nenhum dos telescópios atuais permitem ver com tal nitidez. Por isso mesmo, segundo o investigador do Instituto de Astrofísica “para o astrónomo, a imagem mais linda pode ser medir a risca espectral de um determinado átomo, que está excitado num certo nível que é o indicador da temperatura da estrela, com aquela metalicidade própria...” Nada que se obtenha a olho nu, mas que os gráficos reproduzidos pelos radiotelescópios permitem colher.
Outra desmistificação feita na entrevista tem a ver com a possibilidade de assistirmos à primeira viagem tripulada a Marte nos próximos anos. Na melhor das hipóteses seria aventura para durar oito meses para lá e mais do que isso para o regresso obrigando a selecionar uma tripulação de super-heróis capazes de resistirem durante dois anos ao claustrofóbico ambiente de uma nave ademais sobrecarregada com todas as toneladas de materiais de suporte à vida, desde a água para beber, o ar para respirar, a comida e os demais equipamentos auxiliares. Rui Agostinho é taxativo: “existe o romanticismo de que já amanhã vamos chegar a Marte. Chega-se lá e regressa-se, como se se fosse para a Lua, mas isso, hoje em dia, é romance puro e duro.“
Pode acontecer a exploração das viagens turísticas em redor da Lua, tais quais as propostas por Elon Musk com o seu «Falcon Heavy», mas apenas garantem umas órbitas em torno do nosso satélite para tirar umas fotografias e regressar a casa.
É claro que, à conta das missões Apollo e de muitas outras viagens ao espaço extraterrestre, muitas inovações se fizeram, que vieram a traduzir-se em melhorias efetivas da nossa qualidade de vida, seja através das telecomunicações, do GPS ou da Internet. Mas não tenhamos grandes ilusões: esses benefícios resultaram de inovações tecnológicas prioritariamente desenvolvidas com objetivos militares. Daí que, conclui Rui Agostinho: “se hoje houver uma guerra de grande escala, com duas potências militares, ela será feita nestes três níveis: o espaço, o ar (nível intermédio) e o solo/mar. Tudo isto estará em guerra. No espaço haverá satélites a abater satélites.”

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