Ao chegar a Los Angeles, fugido da ameaça nazi, que lhe mataria muitos dos membros da sua família, Billy Wilder procurou emprego na Paramount, um dos cinco grandes estúdios aí sedeados, e onde trabalhava aquele que considerava o seu mentor: Ernst Lubitsch.
Na época cento e quatro argumentistas partilhavam o quarto andar do grande edifício na Melrose Avenue e metiam mão à obra em tudo quanto lhes encomendassem. Em vez de criarem as suas próprias narrativas deviam cingir-se à adaptação de romances e peças teatrais cujos direitos o patrão adquirira e queria ver traduzido numa versão pronta a ser filmada.
A Wilder deram, como primeiro trabalho, a readaptação de «A Oitava Mulher do Barba Azul», que Gloria Swanson protagonizara em 1923 sob a direção de Sam Wood. Agora o próprio Lubitsch produziria e realizaria a versão sonora, que Gary Cooper e Claudette Colbert viriam a interpretar. Mas, porque se sentia inseguro no inglês, o novo recruta da Paramount pediu a ajuda de um assistente, que viria a ser Charles Brackett, um comparsa com quem trabalharia ativamente na década e meia seguinte, apesar de tudo os diferenciar: enquanto Wilder era um judeu europeu inclinado politicamente à esquerda, o sócio era um típico WASP, ou seja um filho de família aristocrática anglo-saxónica e protestante, irredutivelmente conservador e antissemita. Não se estranha que a relação profissional de ambos viesse a ser tão bem sucedida em grandes clássicos do cinema norte-americano da primeira metade do século XX quanto marcada por violentas discussões.
O sucesso de «A Oitava Mulher de Barba Azul» foi a rampa de lançamento para três outros trabalhos, que confirmaram a dupla como a mais talentosa de entre as equipas de argumentistas da Paramount: «What a Life» (1939) de Theodore Reed com Jackie Cooper e Betty Field, «Ninotchka» (1939), o célebre filme de Lubitsch em que Garbo ria e «A Porta de Ouro» (1941) de Mitchell Leisen com Olivia de Havilland, Paulette Godard e Charles Boyer. Relativamente a este último há uma estória curiosa relacionada com o carácter vingativo de Wilder, quando o ofendiam: Boyer deveria ter uma cena importante em que, deitado num quarto de hotel, falava do triste destino dos refugiados com uma barata, que via cirandar por perto. O realizador queria colocar no filme o próprio sentimento em relação a uma condição de exilado, que era a sua. Só que, já na rodagem, Boyer exigiu que a cena fosse eliminada, porque recusava-se a falar com insetos. Não sabia ele com quem se defrontava: tendo ainda a terceira parte do filme toda por escrever, Wilder cuidou de o manter quase mudo em todas essas cenas, limitando-lhe a dimensão do desempenho. Apesar de os críticos considerarem o filme desequilibrado por causa dessa colaboração heterogénea de Boyer, ele constituiu novo sucesso comercial, que deu a Wilder o ensejo de exigir aos patrões, que lhe dessem a oportunidade para realizar um filme, passo que até então só Preston Sturges e John Huston haviam obtido.
Foi a contragosto que os responsáveis do estúdio acederam ao pedido: acederam a deixá-lo estampar-se na primeira curva do projeto para terem de volta o seu argumentista mais talentoso.
Só que Wilder sabia ao que ia e cuidou de cativar para o projeto a atriz mais relevante dessa altura, Ginger Rogers, que acabara de ganhar um Óscar pela interpretação de «Kitty, a Rapariga da Gola Branca» de Sam Wood.
Cumprindo escrupulosamente o orçamento «A Incrível Susana» revelar-se-ia rentável e permitiria a Wilder prosseguir a bem sucedida carreira de realizador.
A história rocambolesca iniciava-se com o despedimento de Susan Applegate e a necessidade de apanhar o comboio para o Iowa natal depois de fracassada investida em Nova Iorque. Sem dinheiro suficiente para o bilhete de adulta, disfarça-se de miúda de doze anos, Su-Su, que depressa se vê desmascarada por um dos revisores, quando o comboio já vai em movimento. Acolhendo-se no compartimento do major Philip Kirby (Ray Milland), que vai ao encontro da noiva e de emprego certo na academia militar do sogro, garante dele a rápida proteção. O disfarce mantém-se mas volta a ser posto em causa quando as cheias travam o curso do comboio e essa noiva vem ao encontro do prometido surpreendendo-a adormecida num espaço, que considerava seu por direito. Relutantemente convencida do seu erro, Pamela lá acede que a ambígua miúda seja matriculada na escola do pai, tornando-se imediata origem das mais variadas perturbações, sobretudo da parte de alguns atrevidos cadetes.
O ritmo de sucessivos equívocos prossegue até quase ao final, com Kirby a voltar a iludir-se com os disfarces de Susan, ao procura-la e se vê recebido por quem julga ser a respetiva mãe.
No final, e como não poderia deixar de acontecer, os dois acabam nos braços um do outro numa estação de comboios. O respeito pela convenção não obsta a que, pelo meio, Wilder dê largas à utilização da sexualidade nas suas mais equívocas expressões para suscitar cenas divertidas. O que seria sempre a sua matriz.
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