domingo, agosto 25, 2019

(DIM) «No Intenso Agora» de João Moreira Salles


A nostalgia de um tempo que foi curto demais é o tema do filme de Salles à partida fundamentado nas imagens amadoras recolhidas pela mãe, quando visitou a China de Mao em 1966 em pleno auge da Revolução Cultural. Embora tudo quanto viu à sua volta lhe estivesse nos antípodas dos valores e cultura, ela não deixou de reconhecer o ingénuo entusiasmo com que os jovens guardas vermelhos entoavam as máximas do Grande Timoneiro.
Antes do sucinto genérico são-nos igualmente oferecidas imagens de operadores anónimos sobre o que era a plácida vida dos checoslovacos no verão de 1968. Ou como os operários franceses estavam em luta contra um poder gaulista, que não imaginava quanto seria em breve posto à prova.
De súbito cresceram movimentos sociais, que reivindicavam o direito à felicidade ou à prioridade em se viver, mais do que meramente existir. Um pequeno episódio ocorrido em Nanterre sobre a proibição da presença de rapazes nas residências estudantis reservadas às universitárias foi a faísca que fez deflagrar toda a pradaria. De repente começaram-se a procurar as praias escondidas debaixo das pedras da calçada e as discussões políticas tornaram-se inesgotáveis, sobretudo porque Marx sempre orientara a atenção para os acontecimentos do passado, sem dar receitas quanto ao que fazer no futuro.
Da revolta até à Revolução pareciam dar-se passos determinados, que só poderiam concluir-se com o fim definitivo da ordem capitalista. Claro que não foi isso que ocorreu: De Gaulle conseguiria uma derradeira vitória política antes de se remeter à pequena aldeia onde viria a morrer. Para alguns dos líderes do movimento o regresso à anterior normalidade seria trágico porque, como assinalaria Romain Goupil num filme hagiográfico - «Mourir à Trente Ans» - o suicídio seria a única porta definitivamente libertadora. A exemplo de Palach que, na Checoslováquia, escolheria a transformação em tocha humana como forma de protesto contra a Ocupação soviética.
O filme quase se conclui com funerais muito participados e utilizados contraditoriamente por diversas forças políticas: onde o do estudante checo revelou o passivo conformismo da população resignada com a aceitação da situação imposta pelo Kremlin, no Brasil, o de um jovem estudante assassinado pela ditadura dos generais, demonstraria uma enorme vontade de lutar por parte dos que o acompanharam à derradeira morada.
Voltando, enfim, às imagens colhidas pela mãe de Salles na visita à China, sobressai a decrepitude física de um grande líder, igualmente poeta, que lamentara em novo a rapidez com que se escoaria o rio do tempo.
«No Intenso Agora» é um filme belíssimo, sobretudo para quem desse tempo, e dessas expetativas utópicas, colheu muito do que de melhor albergou identitariamente dentro de si.

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