Sou um convicto apreciador da obra de Jean Luc Godard, que me proporcionou jubilatórias fruições cinéfilas com quase todos os seus filmes, mormente «O Desprezo» e «Alphaville» sempre reencontrados com deleite tão-só se me deparem à frente dos olhos.
Confesso que não alimentava grandes expetativas relativamente ao filme realizado por Michel Hazanavicius ao adaptar o livro autobiográfico de Anne Wiazemsky sobre o par de anos de casamento com o principal vulto da Nouvelle Vague.
Hazanavicius fora hábil no Oscarizado «O Artista», mas produz um cinema nos antípodas das preocupações ideológicas e estéticas do seu protagonista. E Wiazemsky, depois do intervalo Godard, voltou a ser a burguesa orgulhosa da condição de neta do gaulista Mauriac, nunca mais se lhe conhecendo tomadas de posição quanto aos grandes debates políticos e sociais dos anos subsequentes. «Un An Après», quando lançado, foi apresentado como uma espécie de ajuste de contas com o ex-marido de quem depressa se enfadara.
Restava Louis Garrel no papel de Godard e convenhamos que ele confirmou o quanto dele vamos conhecendo, há uns anos a esta parte, competente nos desempenhos e criterioso no que escolhe representar. Quase irreconhecível enquanto Godard, não se imagina quem melhor poderia substitui-lo no desafio.
Visto o filme, ele está longe de merecer a tareia, que mereceu de Luís Miguel Oliveira no «Ipsilon»: “Godard? É apenas a caução de Michel Hazanavicius para filmar rabos de raparigas com caução.”
Pode-se reconhecer que Hazanavicius deu importância exagerada ao carácter alienígena de Godard, inseguro quanto à sua pessoa e invariavelmente desagradável com quem o interpelasse para lhe manifestar apreço pela sua obra. A empatia com Anne é inevitável, levando-nos a ter pena dos tratos de polé a que se sujeita no quotidiano conjugal. Mas não era esse o leitmotiv do livro por mais que os argumentistas procurassem desviar-se dos seus propósitos?
«Godard, o Temível» ilustra bem o ambiente do Maio de 1968 e as contradições de toda uma geração desejosa de mudar o mundo, transformando-o numa aprazível praia depois de retiradas as pedras das calçadas e ferozmente confrontada com a violência do aparelho policial gaulista.
Havia muita ingenuidade e muita confusão ideológica, mas quem foi militante nesses tempos nunca mais os esqueceu por terem sido os mais exaltantes de quantos experienciou. E Godard continuaria a tudo questionar, desde a forma de fazer cinema, quer como ele traduz a sociedade em que nos vamos entediando.
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