domingo, julho 07, 2019

(EdH) We Shall Overcome


Aprecio revisitar os documentários sobre as lutas pelos Direitos Cívicos dos anos 50 e 60, quando a inteligência e a coragem dos negros das cidades do Alabama e de Chicago derrotaram a força bruta das autoridades segregacionistas. Por exemplo Rosa Parks que, em dezembro de 1955, recusou levantar-se do banco de autocarro em Montgomery e se viu secundada, durante mais de um ano, pelo boicote ativo de toda a comunidade negra da cidade que, deslocando-se à boleia, de táxi ou a pé, levou quase à falência a empresa de transportes cuja clientela era, em 75%, constituída por quem se via nela tão destratada. Três mil dólares de prejuízos diários: eis o valor que custou esse boicote a quem muito o mereceu.
A decisão do Supremo Tribunal, que decretou a inconstitucionalidade dessa aplicação das leis de Jim Crow, foi um primeiro passo para que elas viessem, de facto, a ser revogadas.
O grande momento seguinte dessa luta aconteceu em Birmingham, quando a eleição de George Wallace para governador constituiu o rastilho para que o Ku Klux Klan iniciasse uma sucessão de linchamentos e atentados, alguns dos quais visaram a igreja do reverendo Fred Shuttlesworth. Perante os protestos pacíficos da população o chefe da polícia, Bull Connor, apostou numa reação musculada, que encheu as prisões com quem se atrevesse a manifestar-se contra a situação. Até que as próprias crianças da cidade saíram para a rua e se viram violentamente reprimidas chegando a todo o mundo as imagens dessa barbárie amplamente documentada pela imprensa ali atraída pelo que sabia iminente.
A Administração Kennedy, até então, passiva perante o que acontecia no sul, saiu do mutismo e prometeu levar ao Congresso a Lei dos Direitos Cívicos, proibindo a segregação nos espaços públicos e nos locais de trabalho. Mas foi Lyndon Johnson a cumprir a promessa no ano seguinte após o assassinato do antecessor em Dallas, vitima de uma conspiração porventura idealizada ou participada por quem se via a perder rapidamente apoios para a sua ideologia racista.
O passo seguinte aconteceu em Selma, quando o xerife Jim Clark procurou restringir ainda mais o recenseamento dos negros da cidade para que se vissem impedidos de votar. Nada aprendera com Bull Connor, porque ao confrontar-se com a marcha pacífica até Montgomery para exigir de Wallace o cumprimento dos direitos constitucionais, Clark ordenou uma repressão violentíssima, uma vez mais documentada pela imprensa presente no local. Resultado: Lyndon Johnson levou ao Congresso a legislação sobre o Direito ao Voto com o brado de «We Shall Overcome». Dias depois, e já com apoio das forças federais, uma enorme manifestação percorreu a distância entre Selma e Montgomery para celebrar a vitória.
A frente seguinte da luta pela igualdade de direitos viveu-se a norte onde o segregacionismo não era tão explicito. Em Chicago o presidente da câmara Richard Daley cuidava de manter as orientações nos apoios públicos às habitações apenas a eles acedendo a população branca. Como resultado dessa realidade de sempre os negros estavam cingidos aos bairros da lata nas periferias da cidade.
Perante a organização de uma manifestação liderada por Martin Luther King para forçar a revogação das práticas então vigentes, o manhoso Daley escusou-se a intervir mas instou os agentes imobiliários da cidade a convencer a população branca da desvalorização das suas casas, quando os negros se mudassem para os seus bairros. Resultou daí uma contramanifestação racista, novamente divulgada pela imprensa nacional e internacional, que virou a opinião pública contra os poderes locais. E quando os manifestantes prometeram seguir para Cícero, bastião conhecido dos extremistas racistas, o presidente da câmara recuou com medo de que a inevitável violência poderia pôr-lhe em causa a carreira política.  O acordo que propôs a Luther King terá sido uma das derradeiras satisfações do líder do movimento, porque não tardou a ser assassinado em Memphis. Essa morte teve o condão de precipitar a aprovação da Lei do Direito á Habitação no Congresso, que acabou de vez com a legitimidade das leis ditadas pela intenção de manter a desigualdade entre pessoas de etnias diferentes nos EUA.
A história do movimento pelos Direitos Cívicos nos EUA comprova a inevitabilidade de não serem possíveis vitórias decisivas sem uma quota parte de sacrifícios dolorosos.

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