A expressão italiana se non è vero, è ben trovato ajusta-se que nem uma luva a «Que fazer contigo, pá?», romance publicado por Carlos Vale Ferraz em abril transato. Se Lídia Jorge já ficcionara o pós-Revolução de Abril em «Os Memoráveis», eis uma nova e estimulante abordagem do mesmo tema com uma história bem estruturada e com algo de romance policial. Porque se, à exceção de um deles. não são os capitães de abril os personagens deste romance focalizado em que se tornaram depois de saírem de cena dos acontecimentos de então, dá-se aqui expressão ao porvir dos que quiseram alcançar a Utopia e se desencantaram com a repressão «democrática» a que foram sujeitos.
À partida temos Ruben, ex-militar envolvido na mudança de regime em 1974 e a liderar posteriormente um movimento revolucionário disposto a levar a transformação social a patamar mais ambicioso. Não é preciso especularmos muito quem possa identificar-se com tal personagem. Com uma diferença de tomo: em vez de acompanhar os amigos no cárcere logo após os eventos de 25 de novembro de 1975 ou nos anos seguintes, quando intentaram alguns atos tidos como «terroristas» pelo poder burguês re-normalizado, Ruben exila-se em França valendo-se do inesperado apoio de uma rede clandestina de extrema-direita.
Nessa altura já estamos cientes da hipótese levantada pelo autor e que tem toda a pertinência: até que ponto, mesmo involuntariamente, os esquerdistas não fizeram o jogo político dos que consideravam inimigos, sendo por eles manipulados nas estratégias a que se propunham.
Porque o interesse da leitura do livro está nas surpresas, que nos vai prodigalizando sucessivamente, resta dizer que há um cadáver mumificado encontrado em Chelas, uma mitologia em torno do Prior do Crato, um psicopata conhecido em Paris com quem se tece uma troca de identidades, uma vingança perpetrada num casamento definitivamente comprometido com a morte do noivo e de alguns dos seus convidados e a possibilidade de, na sombra, continuarem a agir forças conspirativas difíceis de evitar.
A política portuguesa dos últimos quarenta e cinco anos volta a ser reequacionada sugerindo-se-lhe pistas, que a História, tal qual nos costuma ser contada, não valida, mas pode ser perfeitamente fazer todo o sentido. É que podemos conjeturar até que ponto fomos afastados do desempenho de protagonistas de uma evolução para que nos cingimos ao papel de figurantes ou, até mesmo, de distraídos espectadores.
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