«Gladiador» de Ridley Scott constituiu uma surpresa no ano 2000, quando conseguiu um assinalável êxito de bilheteira e viu-se premiado com cinco Óscares, entre os quais o de melhor filme e melhor ator. Ainda lembrada do fracasso tremendo, que «Cleópatra» significara em 1963, na altura responsável pela bancarrota da Fox, a indústria cinematográfica sedeada em Hollywood não acreditara na possibilidade de um ressurgimento do género.
O peplum tivera particular sucesso entre 1910 e 1927, quando grandes produções («Intolerance», Ben Hur) tinham envolvido cenários imensos e uma quantidade prodigiosa de figurantes. Mas para quê pensar em diminuta dimensão se esses filmes de grande orçamento enchiam plateias pagantes nos cinemas de todo o mundo? O fascínio pelas civilizações antigas mobilizava espectadores de todas as latitudes, ciosos de descobrirem as representações visuais do que tinham sido as épocas dos faraós egípcios, dos antigos gregos ou do império romano.
O cinema sonoro fez parar com esse tipo de filmes até porque a Grande Depressão obrigava a orçamentos mais reduzidos. Ademais os tempos tornavam propícios os filmes de gangsters ou as comédias musicais destinadas a propiciar breve alheamento a quem, fora das salas, só encontrava motivos de angústia.
O regresso ao peplum acontece no pós-guerra, e mais garantidamente com a agudização da Guerra Fria. Dois nomes muito conhecidos de Hollywood, que se revelarão particularmente ativos na caça às bruxas de braço dado com o senador McCarthy—Robert Taylor e Cecil B– DeMille- vão estar envolvidos em dois projetos destinados a sugerir mensagens explicitas contra a União Soviética. O primeiro como protagonista de «Quo Vadis», que Mervyn LeRoy realizou em 1951, com um Nero interpretado por Peter Ustinov a sugerir semelhanças com outro ateu óbvio: José Estaline. O segundo com «Dez Mandamentos», em 1956, quando aparecia antes de dar verdadeiramente início ao filme, para alertar os espectadores de estar em curso uma guerra entre quantos se sentiam livres sob a alçada de Deus e os que, a exemplo dos escravos de Ramsés, eram privados de quaisquer direitos pelo Estado totalitário. Nesse mesmo ano a Constituição norte-americana passaria a inserir como lema obrigatório a fórmula «In God we trust», que constitui uma afronta para todos quantos não se reconhecem em tal lógica.
O cinema de grande espetáculo já em formato Cinemascope desde que «A Túnica» - outro tema bíblico - o lançara em 1953, servia propósitos ideológicos ultraconservadores de acordo com a cultura veiculada pela Casa Branca e acatada , senão mesmo empolada, pelos donos dos estúdios.
Quando o macartismo perdeu fôlego com a denúncia do seu promotor, que morreu como um pária em 1957, Stanley Kubrick, e sobretudo Kirk Douglas, não hesitaram em exigir que o proscrito Dalton Trumbo (que estivera um ano preso por recusar-se a denunciar os amigos à Comissão das Atividades Antiamericanas!) se incumbisse do argumento.
«Spartacus» viria a ser um brilhante libelo dos oprimidos contra os opressores com uma cena eloquente na altura em que o cônsul romano pretendia que os prisioneiros indicassem quem os comandara e todos se levantavam a identificar-se como chefe da revolta dos escravos. Trumbo deverá ter sentido grande prazer em imaginar esse momento, particularmente evocativo daquele que vivera, quando enfrentara os seus carrascos.
Com os percalços, que implicariam a sua prolongada rodagem durante três anos, «Cleópatra» assinalaria o fim da época dos peplums em Hollywood, mas possibilitou a continuidade da exploração do género em Itália, para onde a produção se mudara na frustrada tentativa de conter o desvio ao orçamento. A Cinecitta reciclou esses cenários e guarda-roupa e produziu um conjunto de filmes medíocres com uma plêiade de heróis (Hércules, Maciste, etc), que iam ao encontro de um gosto popular pouco exigente, mas recorria a uma das modas então em ascensão: o culto do corpo personificado em culturistas como Steve Reeves ou Gordon Scott e dos quais Arnold Schwarzenegger viria a ser tardio sucedâneo.
Quando o filão se esgotou, o peplum italiano reciclou-se no western spaghetti com os mesmos técnicos e realizadores, nomeadamente um tal Sérgio Leone.
E foi assim, que se chegou ao «Gladiador» de Ridley Scott. Os apreciadores do género poderão ter pensado, que viria aí uma terceira vaga de grandes títulos subordinados a essa temática, mas era ignorar a ascensão iminente de outro tipo de heróis, os da Marvel, que por ora parecem estar para ficar.
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