Ter doze anos em 1968 poderia resultar numa de duas alternativas: ou alhear-me do mundo à volta, focalizando-me nas futeboladas no morro fronteiro ao liceu, ou olhar para o que se podia adivinhar pelas filtradas notícias, que iam chegando e devidamente valorizadas por um padre assumidamente antissalazarista e por alguns amigos mais velhos para quem a ameaça do alistamento para a guerra colonial estimulava essa atenção. O rebuliço do Maio francês, as mortes de Luther King e de Robert Kennedy, os ventos de leste oriundos da China e outros acontecimentos externos não eram ignorados pela «Vida Mundial» por muito que a censura cuidasse de lhe aparar as evidências mais notórias. E, lendo a revista de fio a pavio, ia consolidando um percurso ideológico, que se complementava com a audição da BBC em ondas curtas ou com algumas frases colhidas aqui e acolá sobre quem a Pide vinha prender durante a madrugada por pertencer ao Partido Comunista.
O interesse pelos Doors é dessa altura e foi-me inspirado pelo Vítor, que não tardaria a desertar para a Suécia, quando estava iminente a sua prisão e, em democracia, viria a ser professor na Universidade do Algarve até á sua morte no ano passado. Se os temas do «Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band», ou as melodias xaroposas de Simon & Garfunkel me andavam a embalar, o confronto com as propostas do grupo liderado por Jim Morrison viria a suscitar-me uma pronta revisão de apreciações estéticas: se uns pareciam apostar no máximo sucesso comercial - com muitas semanas nos top ten - os Doors vinham dispostos a incendiar as mentes dos que os ouviam com provocações, que considerávamos mais do que legítimas, por muito que hoje nos pareçam inocuamente gratuitas. Ansiando por Revoluções políticas e sexuais as canções deles ouvidas pareciam bem mais convincentes como banda sonora do que as de quaisquer outros grupos da altura, à exceção de Pete Seeger, cujo incansável afã também então irrompia nem sei como pelos meus dias.
Cinquenta anos ao contrário da eterna admiração pelo velho combatente, que nunca deixou de comparecer nas grandes lutas sociais do seu país até à morte, os Doors ficariam como um cometa cuja importância se foi relativizando à medida, que o desenlace do seu líder coincidiu com outros similares, quer nos meses precedentes (Hendrix, Joplin), quer muitos anos depois (Amy Winehouse).
Olhando para o documentário assinado por Tom DiCillo houve o prazer de reencontrar canções, que muito me agradaram nessa pré-adolescência e anos seguintes. Mas é evidente que Morrison foi um génio meio perdido na inconsequência dos seus pressentimentos, que o álcool e as drogas trataram de ainda tornar mais nebulosos.
Daí o interesse do filme - inegavelmente competente no cumprimento do projeto do seu autor - mas, sobretudo, valioso para confirmar quão deliciosamente ingénuo fui por esses anos. Ao contrário de Paul Nizan estava plenamente convencido de que estariam iminentes os mais belos anos da minha vida. E, na realidade, não me enganava, porque o ano de 1974 - que me apanhou com dezoito anos! - foi aquele em que várias Revoluções coletivas e pessoais me aconteceram. Para grande alegria e felicidade...
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