Conhecemos Saló, porque Pasolini deu-nos a conhecer os seus dias de estertor. Mas poucos conhecem Sigmarigen, a pequena vila alemã para onde Hitler mandou transferir o governo de Vichy, quando quase todo o território francês fora liberto pelos exércitos aliados. O castelo erguido mil anos antes, foi a capital da França colaboracionista durante os seis últimos meses da Segunda Guerra Mundial.
A transferência de Pétain e dos seus ministros ocorreu a 20 de agosto de 1944 depois de requisitado o castelo ao seu legítimo proprietário, o príncipe de Hohenzollern, que aí vivia. Bernard Ménétrel, médico pessoal do marechal, ainda tentou que ele se declarasse prisioneiro dos alemães, mas não foi ouvido e viu-se encarcerado. No entanto Pétain circunscreve-se ao terceiro andar do edifício, dissociado do ambiente de opereta da sua corte entretida em rivalidades absurdas.
Preparando a defesa para o julgamento a que se adivinha condenado, Laval, o primeiro-ministro, também se exime ao convívio com essa centena de colaboradores, que ora se iludem com súbitas inversões na relação de forças entre os Aliados e as potências do Eixo, ora se afundam em depressões quanto ao que lhes irá acontecer.
Às redondezas do castelo acorrem milhares de funcionários que, com as suas famílias, buscam proteção contra as consequências do seu comprometimento com o regime. Mas quase nenhum apoio conseguem para além do de poderem ali aguardar pela evolução dos acontecimentos. É, de qualquer modo, em sua intenção, que se publicam jornais e se emitem programas de rádio, que anunciam odiosos crimes perpetrados por judeus e comunistas com a cumplicidade de De Gaulle em toda a França reconquistada pelos Aliados.
Em 23 de novembro a comunidade de Sigmarigen quase conseguiu ouvir os clamores dos combates, que levaram os Aliados, comandados pelo general Leclerc, a conquistar Estrasburgo, dali distante apenas 160 quilómetros.
Durante o terrível inverno, que se segue, ainda há algum alento com as notícias sobre os mísseis V1 e V2, que poderiam dar aos alemães a primazia há muito perdida, como logo se comprova no desastre que para eles se traduz a falhada ofensiva nas Ardenas. Nessa altura o medo dos hóspedes dos alemães cresce dia para dia ao conhecerem-se os tratos dados aos colaboracionistas em Paris e em todas as principais cidades francesas.
A última bravata do mais nazi dos políticos franceses - Doriot - concluiu-se com o seu assassinato numa estrada alemã, quando se dirigia a Sigmarigen para liderar o governo de Vichy, derrubando Pétain e Laval, O regime morreu definitivamente nessa altura, porque já o general De Lattre comandava o exército libertador de Estugarda a apenas 49 quilómetros de distância do castelo, que se esvazia com todos os ocupantes a procurarem fugir sem saberem bem para onde. A derrota alemã consuma-se em 3 de maio de 1945 com a capitulação a ser assinada no dia 8.
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