sábado, julho 27, 2019

(DIM) A geopolítica do ovo


Um documentário deste ano, assinado por Jens Niehuss e Simone Bogner e intitulado «Pobres frangos»,  é particularmente elucidativo para clarificar as (péssimas) condições em que vivem as galinhas poedeiras, que nos fornecem aqueles ovos publicitados pelos hipermercados como provenientes de animais criados no solo.  Inocente na matéria julgaria, que tais ovos seriam produzidos em aviários ao ar livre, onde os galináceos pudessem usufruir de condições minimamente aproximadas com as conhecidas na infância, quando acompanhava a minha avó materna a cuidar da sua criação. Afinal o documentário informa-nos que esses «ovos de aves criadas no solo» vêm de enormes hangares, onde elas vivem noventa semanas sem conhecerem o exterior e vegetam entre o solo, sujo com os seus próprios excrementos, e os patamares superiores onde se alimentam e poem os ovos. O odor a amoníaco é insuportável, as doenças mais que muitas, que levam os empresários a enchê-las de antibióticos.
Não bastaria a crueldade inerente a essa exploração agroalimentar, que trata os animais como meros instrumentos de produção, para se exigirem mudanças muito para além das disposições europeias, que impõem para a próxima década o fim das explorações aviárias em gaiolas, ainda mais execráveis quanto à crueldade padecida pelos galináceos. Mas os poderosos lobbies sedeados em Bruxelas tudo fazem para que o respeito pelos direitos mínimos dos animais que nos alimentam seja secundarizado em relação aos critérios da redução otimizada de custos de produção e à potenciação dos lucros pela via das economias de escala.
Os problemas com a industrialização da fileira aviária não se fica apenas por aí, porque comporta outros dois efeitos não menos relevantes. Um deles tem a ver com o afluxo de milhares de africanos subsarianos, que buscam a Europa como alternativa para o desemprego e faltas de expetativas de futuro nos respetivos países. O documentário mostra como, até 1990, o Gana empregava centenas de milhares de pessoas nos seus aviários, suficientes para suprirem as necessidades internas e possibilitarem as exportações para os países vizinhos. Por essa altura ocorreu uma mudança trágica, que provocou a falência das empresas do setor: a doença das vacas loucas exigiu a imposição de uma regulamentação europeia pela qual se proibiam as farinhas de origem animal na alimentação das criações de gado europeu. Resultado: os milhares de galinhas poedeiras que, ao fim das noventa semanas de exploração tornavam-se menos produtivas, deixaram de ser utilizadas na produção dessas farinhas e passaram a ser exportadas para os países subsarianos a um preço impossível de ser conseguido pelos produtores locais. A globalização encarregou-se de destruir milhões de empregos por todo o continente africano justificando a subsequente migração de desesperados. É por isso que repugnam-me os defensores da criação de muros europeus, que impeçam a vinda desses povos empobrecidos pela ganância do capitalismo ocidental. Melhor seria, que se informassem sobre as razões porque o embaratecimento da alimentação dos europeus implicou miséria ainda maior para os infelizes nascidos a sul do seu continente.
Não é, porém, e apenas nessa vertente, que os desequilíbrios geopolíticos se acentuam e suscitam efeitos em cadeia. Na vertente ambiental acrescente-se a procura crescente, e quase exponencial, de soja para integrar os alimentos ricos em proteínas suscetíveis de acelerarem o crescimento dos animais, que comemos, e fazendo com que grandes extensões de florestas da América do Sul, nomeadamente na Amazónia brasileira e na Argentina, sejam derrubadas para estabelecerem-se imensos latifúndios a ela dedicados.
O documentário de origem alemã mostra como a indústria agroalimentar europeia anda a alavancar graves problemas, que poderemos pagar cada vez mais caro. Para além do bem estar animal ou da qualidade e sabor equívocos dos produtos expostos nos nossos hipermercados, criam-se as condições para inesgotáveis migrações humanas - e as perversas consequências de darem rastilho à explosão das extremas-direitas xenófobas! - e para crimes ambientais.
Poderíamos pensar que a solução alternativa passaria pelo consumo crescente dos produtos bio, mas não é certo que eles correspondam ao quanto anunciam nas  etiquetas. Não é por acaso, que um dos esforços mais tenazes dos lobbies da indústria agroalimentar junto da Comissão Europeia é o de impedirem a aprovação de um novo regulamento sobre a etiquetagem dos produtos comercializados, que possibilite uma informação mais sucinta, mas também incomparavelmente esclarecedora sobre o que os consumidores andam, efetivamente, a comprar quando enchem o carrinho de compras nos hipermercados.

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