O que impressiona na música de Bach é a multidão de vozes, que se atropelam nas suas composições, e fenómeno percetível nas sonatas e partitas para um só instrumento. Olhamos para a violinista, neste caso Midori, e não é apenas a sua voz que se expressa pelo correr do arco nas cordas, porque muitas outras emergem.
“A tocar Bach nunca me sinto só”, confessa a intérprete japonesa, que não consegue lembrar-se do momento da descoberta. Porque o ambiente familiar desde início, que a envolveu com esta música profunda e complexa, que nunca se consegue verdadeiramente apreender na essência por muito que se a estude ou toque.
E se ela o faz há muito tempo! Tê-lo-á interpretado em público pela primeira vez, há quarenta anos, quando tinha seis ou sete, e sentia dificuldade perante um ritmo excessivamente lento para a energia própria da criança, que ainda era.
O tempo terá sido também o arquiteto, que a fez imbuir-se do que de indizível a música lhe transmite e procura devolver aos outros. Com uma concentração total: as câmaras rodeiam-na, captam-na dos vários ângulos e são-lhe insensíveis, porque só importam os sons libertados do instrumento, ficando os olhos sempre fechados, embora se contraiam ou distendam com o evoluir da partitura assimilada dentro de si.
Não é preciso acreditar em Deus, nem reivindicar algum tipo de transcendência, para sentir a magia inerente a estes sons. Eles despertam zonas indefinidas do cérebro, que atavismos da genética tornam sensíveis como se nos quisessem transmitir algo perdido lá muito no passado.
Talvez tenha sido esse o motivo porque Midori as quis interpretar no Castelo de Köthen onde, num dos períodos mais criativos da sua vida - porque menos sujeito aos constrangimentos de quem lhe pagava as contas - Bach compôs muitas das suas peças maiores e afinou os conceitos do Cravo Bem Temperado.
Poderia o lugar exercer uma espécie de sortilégio em Midori? Se o sentiu não no-lo disse, mas podemos intui-lo ou não na forma como soa a Partita nº2 em comparação com a conhecida por outros violinistas.
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