quinta-feira, abril 06, 2017

(DL) «Os Idólatras» de Maria Judite de Carvalho (2)

Prosseguindo a abordagem dos treze contos,  que integram «Os Idólatras», podemos concluir que a temática da ficção científica e a solidão dos protagonistas são uma constante em todos eles. Para a escritora o futuro pintava-se de cores sombrias, com as possibilidades distópicas a sobreporem-se às que coincidiriam com um acesso mais facilitado à felicidade.
Os Dias da Cor de Longe
Aos 14 anos Mia vive muito sozinha. A família considera-a atarantada, na escola passa por puritana e a verdadeira liberdade acontece, quando se fecha à chave no quarto e escreve no diário os seus diálogos com seres alienígenas com quem comunica semanalmente, à hora certa, todos os domingos.
Convidada por eles a juntar-se-lhes, desaparece sem deixar rasto. Procuram-na no rio, que se vê da sua janela. Mas ninguém se lembra de ir vasculhar no céu…
O Ponto Móvel
Numa quinta do futuro, em que quase todo o trabalho é feito por robôs, o proprietário encontra quinze moedas romanas, que levam a mulher a formular a hipótese de estarem a morar sobre uma antiga povoação. É quanto basta para dele se apossar a estranha obsessão de a devolver à luz do dia: põe a escavadora a abrir uma gigantesca cratera, ansioso por libertar as vozes que as terras tenham soterrado…
As Mãos Ignorantes
Num futuro em que tudo parece organizado para que as pessoas dividam o tempo entre a produção e o descanso, já não há quem escreva, leia ou produza obras artísticas. Resta uma biblioteca no centro da Europa e uma cidade-museu algures no continente americano.
Um casal, recentemente formado graças à colaboração de um programa informático, vive na sua quietude até ele ir de férias à biblioteca e ela ao museu.
Uma noite, para dissipar o tédio, ela contorna as horas de descanso e põe-se a moldar um boneco em barro. Ele, que se entretivera com um livro sobre bruxas e feitiçaria, logo vê na obra da mulher a prova de estar com a sua vida ameaçada e comanda  uma turba ululante para perseguir e matar a «feiticeira».
Estão Todos Lá Fora?
Um homem está quase a ser entregue à multidão furiosa, que o culpa de ter assassinado Vana, Marcus e Steve, respetivamente os idolatrados heróis televisivos dos homens, das mulheres e das crianças. Mas ele não poderia imaginar que o gesto de destruir a televisão, quando os três estavam no ecrã, teria tão funestas consequências. É que limitara-se a reagir com raiva contra a alienação da mulher e do filho a respeito dessas imagens televisivas, que os levara respetivamente para um hospital psiquiátrico e para uma casa de correção.
Estranha essa interação entre a realidade televisiva e as dos seus indefesos espectadores…
O Robô
Jerónimo Gil decide suicidar-se com comprimidos apesar de não ter motivo aparente para o fazer. Ficando em coma durante várias semanas, regressa a casa sem se conseguir libertar do mal-estar. Por isso decide visitar os pais na aldeia natal, mas logo conclui da imprudência de regressar onde, em tempos, terá sido feliz. É que, sendo o mesmo, já não sente o que vê da mesma maneira. Acaba por regressar às rotinas quotidianas, mas até quando?


Sem comentários: