Ao enfatizar a importância da exposição, agora inaugurada no rés-do-chão do Torreão Poente da Terreiro do Paço, o curador Diógenes Moura lamenta o quão desconhecida é a Operação Condor nos países latino-americanos onde ela se concretizou. Muitos brasileiros, argentinos, uruguaios, chilenos, bolivianos ou paraguaios desconhecem que, nos anos 60, a CIA chamou à sua sede em Fort Langley os principais militares dos respetivos países para com eles concertar o combate comum aos regimes e aos movimentos insurrecionais conotados com as esquerdas.
Allende, Che Guevara ou Victor Jara são apenas algumas das principais vítimas desse projeto assassino. Dilma Roussef também lhe sofreu os efeitos, como foi lembrado por aquele energúmeno que, ao votar a sua destituição, aproveitou para saudar o sinistro torturador, que tanto sofrimento lhe havia infligido.
A Operação Condor é um dos melhores exemplos sobre a persistente atividade da CIA para promover ações de permanente enfraquecimento dos regimes, que mais assustem os especuladores de Wall Street. Não é preciso ser um Einstein para adivinhar a sua presença nas «Primaveras árabes», que derrubaram ditadores laicos do mundo árabe, mesmo que deixando de herança um caos propício ao crescimento do terrorismo jihadista.
Quase por certo foi a CIA quem promoveu o mais recente bombardeamento com gás sarin na Síria de modo a acusar Assad e fragilizar ainda mais o seu regime. Há dedo da CIA em Moscovo e São Petersburgo, nas manifestações destinadas a enfraquecer Putin. E há por certo muitos conselheiros da agência na retaguarda dos Capriles venezuelanos para derrubarem de vez o já atarantado poder de Maduro.
Por muita piada, que achemos aos romances de John Le Carré ou aos filmes dele derivados - ou a coisas mais sinistras como a da série «24», que andou anos a entusiasmar uns quantos ingénuos - a espionagem continua omnipresente para impor uma «pax americana» a todos os continentes. E comporta sempre muitíssimas vítimas, algumas sem sequer perceberem como se viram subitamente acusadas de crimes, que nunca poderiam imaginar ter cometido. Continuam a funcionar prisões secretas onde quaisquer resquícios de direito à justiça é totalmente negado.
Dirão uns quantos, que também os russos, os chineses e outros países têm os seus espiões. Até Portugal os tem, embora pelo exemplo do que anda por aí a ser julgado nos tribunais, parecessem mais interessados em garantir os seus próprios interesses, que os do país para o qual deveriam supostamente espiar. Mas mesmo os russos, que ganharam alguma capacidade em livrarem-se dos opositores do Kremlin no estrangeiro, não conseguem causar os danos dos promotores da Operação Condor. Porque, desde início, eles pretendiam derrubar governos, torturar e assassinar opositores e impor políticas diretamente ditadas pelos gurus da escola de Chicago.
É por isso que a exposição de João Pina deve ser amplamente divulgada e visitada. Porque não se tratam tão só de excelentes fotografias: estão lá os que desapareceram, as famílias que nunca os esqueceram, os que torturaram e mataram, os que se exilaram e salvaram, bem como as paisagens belas, aparentemente inofensivas à primeira vista, mas que escondem homicídios indesculpáveis, que nunca deveremos esquecer.
Deixo para o fim uma experiência pessoal sobre o meu contacto com esses anos de chumbo no subcontinente latino-americano: em Buenos Aires o paquete onde então viajava ficou atracado num cais em que, no percurso para o centro da cidade, se era obrigado a passar em frente de um dos mais sinistros centros de tortura da ditadura dos generais: a Escola de los Mecanicos de la Armada.
Em cada um dos topos dessa longa avenida existiam avisos bem explícitos: se não quiséssemos arriscar um tiro deveríamos nela transitar sem parar um momento sequer e quanto a fotografias, nem pensar em tirar a máquina do estojo em que, porventura, a transportássemos.
Sentia-se a ameaça latente e, sobretudo, a nossa inquietação quanto à possibilidade de, nesse preciso momento, estarem ali a serem seviciados muitos dos que teimavam em dizer não.
A Operação Condor espelha a ainda persistente injustiça de, aqui em Haia donde escrevo, só serem julgados e condenados alguns crápulas sem grande importância. Quanto aos grandes criminosos das últimas décadas, ninguém os fez comparecer em nenhum tribunal como o que, em Nuremberga, fez justiça aos do regime nazi.
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