Não me lembro do momento em que conheci a história do Principezinho pela primeira vez. Terá sido algures no liceu de Almada, em meados dos anos sessenta, porque lembro, já com conhecimento de causa, o padre Sobral a falar-nos do diálogo do personagem com a raposa sobre cativar, criar laços.
Homem notável esse professor de Religião e Moral, que deixava a primeira fora das conversas e da segunda tinha a noção da importância dos valores a promover junto dos miúdos ainda em plena formação.
O livro figuraria doravante como o símbolo do que de melhor eu poderia ter sido, porque, entretanto, algumas das suas lições ficaram esquecidas nas vicissitudes das décadas entretanto decorridas. Quem consegue manter-se poeta, quando a realidade impõe a crueza da prosa?
De comum mantive com Saint-Ex a atração pelas paisagens distantes: escolhi os mares e neles costeei todos os continentes, ele preferiu o ar e, aos 26 anos, voava para o Senegal por conta da companhia Latécoère, que viria a ser depois conhecida como a Aeropostale.
Antes de trocar os céus africanos pelos latino-americanos, já o tínhamos a assinar um romance sobre o companheirismo e o sentido de missão: «Voo Noturno». O sucesso imediato deu direito ao prémio Femina.
O humanismo estaria igualmente presente em «Terra dos Homens», quando já trocara o ofício de aviador pelo de jornalista.
Pelo meio apurara o sentido de inventor propondo diversos melhoramentos nos equipamentos aéreos. Nos manuscritos descobrem-se os seus cálculos e esquemas imperscrutáveis.
Apesar da idade e das limitações físicas, a guerra levou-o a alistar-se na aviação francesa em 1939, quando a ameaça nazi justificava a troca das palavras pela ação.
A momentânea derrota conduziu-o ao exílio norte-americano, apesar do governo de Vichy falsamente anunciá-lo como seu representante diplomático além-Atlântico. O interlúdio permitiu-lhe escrever a sua obra maior, aquela que Consuelo reivindicaria como a si dedicada, e ilustrada com as suas próprias aguarelas.
“Só conseguimos ver bem com o coração. O essencial é invisível ao nosso olhar”. Era o mais secreto dos ensinamentos do jovem viajante interplanetário, que também nos ensinava a desenhar carneiros, atrair raposas ou celebrar os acendedores de candeeiros.
O sucesso planetário não tardaria graças à fragilidade do protagonista e à sua desarmante simplicidade. Mas ele já não o veria, porque, novamente alistado na luta contra o horror, desapareceria numa missão em 31 de julho de 1944 ao largo de Marselha, abatido por um avião inimigo.
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