terça-feira, abril 18, 2017

(EdH) Quem se deixa ultrapassar pelo progresso...

Estive apenas umas horas na Dominica em ano de viagens particularmente exaltantes, porque levei umas boas semanas a aportar a quase todas as ilhas do mar das Caraíbas. Ficou-me a faltar uma, aquela que mais interesse me despertava, Cuba, um mistério apenas vislumbrado à distância. Mas a circunstância de falhar os sítios incluídos na lista dos meus destinos preferenciais foi regra verificada noutras latitudes: percorri toda a costa oriental dos Estados Unidos e não consegui passar uma noite a ouvir o típico jazz da Bourbon Street em Nova Orleães, dela mais não me aproximando do que de Pascagoula, no vizinho Estado do Mississípi. Não foram poucos os portos chineses por que passei e, no entanto, de Macau ficou-me tão-só a imagem distante facultada de Hong Kong, vendo os jetfoils a voarem acima da planura aquática na direção desse mítico espaço, que me permaneceria desconhecido. Na África Oriental vi o forte de Mombaça, as quase submersas ruas das Maldivas, a lindíssima praia de Praslin nas Seychelles, os lémures de Madagascar ou a degradada, mas lindíssima arquitetura de inspiração árabe, da ilha de Zanzibar. No entanto Moçambique ficou-me vedado tanto mais que, na altura de tais navegações, os criminosos da Renamo punham o país em polvorosa. Os turistas suíços que, no inverno do hemisfério norte, costumavam afretar o navio de que era tripulante, revelavam-se, ano após ano, ousados nos sucessivos programas, mas não ao ponto de arriscarem sítios onde uma qualquer bala perdida os pudesse alvejar.
Mas voltando à ilha das Antilhas sobre a qual vi hoje curiosa reportagem, assinalo nela terem-me ficado invisíveis os índios kalinagos, que descendem das populações encontradas por Colombo quando ali aportou no século XV. Mais ainda, essa população pré-colombiana dominava o comércio de toda a região caribenha e de apreciável faixa costeira da atual América do Sul, porque possuía a arte de construir um tipo muito específico de canoa, quase considerada insubmersível.
A arte de as construir continua a ser transmitida de geração em geração justificando ritos específicos desde a escolha da árvore da floresta destinada a ser trabalhada até ao momento de se lançar à água a nova embarcação.
Até Colombo trazer novos saberes e tecnologias, os kalinagos eram uma das tribos mais ricas da região graças à facilidade com que promoviam as trocas de mercadorias entre as várias outras com que comerciavam. A chegada desses navegadores desconhecidos precipitaria a inevitável decadência. O que não deixa de ser uma metáfora eloquente para quem se cristaliza no que pensa ou faz, inevitavelmente marginalizado pelos que sempre procuram novas ideias e meios de produção. Porque, hoje em dia, até na sua própria ilha, os kalinagos estão cingidos a uma exígua reserva de quinze quilómetros quadrados onde só podem explorar o lado folclórico do que, no passado, fora a força de pujante economia.


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