Tenho por mim que o Steven Spielberg não sabe fazer filmes maus por muito que me seja difícil esquecer a cena do primeiro «Parque Jurássico» em que a Laura Dern precisava de ter um braço com uns três metros de comprimento para alcançar o gelado, numa altura em que começavam a acontecer os primeiros ataques dos velociraptores e do tiranossauros.
Igualmente assumo não haver ator dos tempos presentes, que melhor replique James Stewart naquele tipo de papéis caprianos cujas características superlativas eram a coragem e a integridade.
Dito isto fica esclarecido o meu relativo agrado com «A Ponte dos Espiões». Passado entre 1957 e os inícios dos anos sessenta baseia-se em factos reais, que envolveram a troca em Berlim de um conhecido espião russo por um piloto norte-americano. Existe um cuidado irrepreensível nos cenários e no guarda-roupa bem como interpretações excelentes de Tom Hanks, a fazer de advogado de defesa e de Mark Rylance enquanto coronel Abel.
Mas - lá vem o tal mas! - irritam-me os filmes, que insistem em mostrar os espiões da CIA como antipáticos, enquanto os do outro lado surgem como verdadeiros facínoras.
Claro que o coronel Abel escapa a essa fatal caracterização, mas pode-se considera-lo como a exceção a confirmar a regra. Até porque é essa distinção, que alimenta o fio narrativo do filme ao alimentar uma simpatia crescente entre Donovan e ele.
Embora não duvidemos do conservadorismo político do advogado, norteia-o a ética de cumprir os valores constitucionais de garantir a mais competente defesa possível ao pior dos criminosos. E, numa altura em que imperava a histeria, que se traduziria no martírio do casal Rosenberg, os anticomunistas primários não se contentavam com outro veredicto do tribunal, que não fosse a condenação à morte.
Donovan usa a inteligência para colocar a questão fundamental: e se um dos nossos espiões for apanhado do lado de lá, que moeda de troca poderemos utilizar?
É essa capacidade de não se ater só ao presente e adivinhar os imponderáveis do futuro, que evita o pior e o limita à condenação a 30 anos de prisão,. Por isso mesmo Donovan converte-se no inimigo de estimação dos pasquins mais atiçados pelo medo do «vêm aí os russos».
E, meu dito, meu feito: meses depois Gary Powers é capturado quando andava a fotografar território soviético a 20 mil pés de altitude. A previsão de Donovan revelara-se judiciosa com ambos os lados interessados em recuperar os respetivos agentes. Com Donovan a somar-lhe mais um resgatado adicional na pessoa de um jovem estudante norte-americano capturado do outro lado para ser utilizado como pau de uma engrenagem já por si bastante complicada de movimentar sem mais entropias.
Não terá sido dos melhores Spielbergs, mas, enquanto entretenimento agrada q.b. E que isso ajuda muito, lá isso sim! - di-lo-íamos se fosse essa a pergunta que Abel nos fizesse...
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