Poucos foram os romances, que iniciei e me prenderam o suficiente para não os largar até chegar à última página. Do que melhor me lembro foi de «Cujo», um dos menos conhecidos, mas mais sugestivos romances de Stephen King, que comprei uma tarde em Buenos Aires na versão castelhana e me predispus a ler depois da saída do paquete «Funchal» do cais muito perto da tenebrosa Escola dos Mecânicos da Armada (quantos presos políticos estariam ainda a ser ali torturados?) e de jantar rapidamente ingerido na messe dos oficiais.
O projeto era avançar umas trinta, quarenta páginas até o sono me impulsionar para terras de Sonhorosa, bem merecidas depois de um longo dia com esforçado trabalho matinal na casa das máquinas e uma caminhada prolongada pela cidade durante a tarde.
As intenções eram boas, mas eis que me vi perante uma situação terrível: sob um sol escaldante, uma jovem mãe e o seu jovem bebé estão retidas dentro do carro avariado num arrabalde desértico e sob a ameaça de um cão são bernardo visivelmente acometido de raiva.
As horas passam, todas as tentativas de fuga se goram, o bebé vai desidratando e acaba por morrer, mas, no entretanto, passaram-se quatrocentas páginas e as horas bastantes para já não ter tempo para um sono, mesmo que ligeiro, porque o porto de Montevideu já estava no horizonte e havia que voltar a descer à Casa das Máquinas para as respetivas manobras de atracação.
Enquanto bebia um café forte para manter despertos os sentidos acompanhava-me a surpresa de ter sido enredado numa narrativa entusiasmante para a qual bastara o talento de um escritor genial. Ainda que capaz das coisas mais esdrúxulas nos anos subsequentes.
Este exemplo veio-me à mente, quando me pus a ler «Os Dias de Abandono» de Elena Ferrante. Já estava alertado para o carácter envolvente das suas estórias, mas nelas caí sem resistência. Bastou-me conhecer essa Olga que, aos trinta e oito anos, é abandonada em detrimento de rival mais jovem e, mesmo fazendo os possíveis por racionalizar a situação, vê-se impedida de resistir aos impulsos de uma emotividade exacerbada.
Como no romance de King a inquietação cresce por sabermos envolvidos os dois filhos da protagonista, ainda crianças incapazes de se bastarem, e o cão que acabará por morrer como resultado das suas distrações.
Mais do que os acontecimentos em que se projeta, o leitor é atraído pelo pensamento obsessivo da protagonista sem conseguir devolvê-la a um estado de razoável autocontrole. Quando a julgamos à beira de tudo conseguir racionalizar é quando ela mais aceleradamente se afunda na depressão.
A construção acaba por seguir os cânones: um equilíbrio inicial logo perturbado por um acontecimento, que conduzirá a um crescimento da tensão até quase ao paroxismo. Seguindo-se a lenta progressão para uma nova forma de equilíbrio no final.
É este último que ansiamos por alcançar durante a leitura. Mordendo unhas e mudando de posição no sofá para mais comodamente assistir a uma visita ao Inferno com o regresso de quem concluiu ter da experiência voltado mais forte.
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