Ainda adolescente apanhei em casa alguns exemplares de uma coleção de livros de bolso, que muito me seduziram: sem serem calhamaços, deixavam-se transportar facilmente para serem lidos onde os dias nos conduzissem, e tinham por autores alguns dos maiores escritores do século XX. O meu primeiro Steinbeck lembro-me de o ter lido nessa coleção Miniatura, cujas capas tinham ao meio uma ilustração de nomes importantes do nosso meio artístico como era o caso de Bernardo Marques.
Recentemente surgiram nos escaparates os livros da segunda série de tal proposta, aparentemente apostada em facultar propostas literárias excelentes por custo reduzido, subordinando-as ao mesmo formato e estética da capa.
Os primeiros títulos foram excelentes descobertas: «A Louca da Casa» é uma abordagem muito inteligente sobre o ofício do escritor redigido com a habitual capacidade de Rosa Montero para ir dialogando com o leitor. «Soldados de Salamina» põe o narrador a investigar a estória ambígua de um franquista escapado de um pelotão de fuzilamento e é toda a evolução do franquismo, que se vê analisada pela escrita de Javier Cercas.
Surgiu depois «A Um Deus Desconhecido», que continua a ser um dos mais bem amados romances de Steinbeck, e, nos últimos dias, «Novela de Xadrez» de Stefan Zweig.
Para as presentes férias holandesas trouxe dois destes títulos: o de Cercas, que me está a dar um enorme prazer na leitura e o de Zweig, que me aguça a curiosidade por se tratar do seu livro derradeiro antes de se entregar à morte, em cumplicidade com a esposa, ambos apostados em livrarem-se de um mundo segundo eles condenado a cair nas teias sinistras do nazismo.
Essa derradeira obra seria concebida e acabada em Petrópolis, a cidade onde o escritor viveu exilado os últimos anos de vida, depois de escapar da Europa em 1936.
Pelos escritos dessa época a chegada à baía de Guanabara enchera Zweig de esperançosa alegria.
Ele era na época um dos mais bem sucedidos autores mundiais, com as obras largamente traduzidas em muitas línguas e publicadas em todos os continentes.
Excelentemente recebido pelos intelectuais do Rio de Janeiro, o exilado austríaco não seria sequer molestado pela polícia política do Estado Novo, que sentia uma empatia indisfarçável com Mussolini e com Hitler.
Nos primeiros meses de estadia nas terras de Santa Cruz, o casal Zweig viaja pelo seu litoral, deixando-se cativar pela Bahia de Todos os Santos, cuja mistura exótica entre a arquitetura lusitana e a negritude dos antigos escravos constituiu cocktail tão aliciante, que a hipótese de ali se radicarem chegou a ser ponderada.
A opção seria, porém, a pequena cidade de Petrópolis pela sua semelhança com o país natal, que tinham deixado para trás. De facto, ela fora construída a mando do Imperador Pedro II como local de vilegiatura para a esposa, uma princesa oriunda da corte dos Habsburgos.
Não terá sido escolha asizada, porque o ambiente era muito fechado, sem grande convívio entre os vizinhos. Razão para Zweig ter aprofundado a sua característica depressão e ganhar ansiedades suicidas.
«Novela de Xadrez» espelhará por certo essa sensação de sentir o abismo bem próximo ao ponto dele se tornar irresistível.
À distância Zweig e Virginia Woolf são dois exemplos de escritores que, relativamente a recato do conflito, que grassava a nível mundial, terão insensatamente cedido ao desespero, quando afinal a derrota dos fascismos já se prefigurava...
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