Em abril é natural que o Cineclube Gandaia dedique as sessões das quintas-feiras à noite ao cinema português, enquanto testemunha do que se tornou o país na sequência da Revolução dos Cravos.
O primeiro título a exibir é «Aquele Querido Mês de Agosto» de Miguel Gomes, que nos dá a conhecer a realidade das aldeias beirãs quando o verão propicia o regresso efémero dos emigrantes e, com eles, multiplicam-se os bailaricos, as procissões e os espetáculos de música popular. O título remete para um êxito de Dino Meira, que foi um dos maiores expoentes do tipo de canção, que se veio a designar como «pimba».
Rodado nos verões de 2006 e 2007 nos concelhos de Arganil e de Oliveira do Hospital, não se encontram muitas ressonâncias do clima político então existente no país, quando se agudizava o conflito entre os que apostavam no crescimento através de grandes projetos de desenvolvimento (novo aeroporto, TGV, etc.) e os que propunham que nos contentássemos com ambições à medida da nossa, por eles considerada, curta perna.
O desemprego não deixava, porém, de ser realidade incontornável como se constata no que diz para a câmara esse personagem esdrúxulo, que vai ganhando a vida nos biscates feitos aqui e acolá ou nos saltos da ponte para o rio, capazes de lhe garantirem uns cobres dos turistas de ocasião.
Mas se há comportamento tipicamente lusitano espelhado no filme é a capacidade de imaginação bastante para fazer muito com meios escassos. Por isso começamos por constatar a existência de uma equipa de filmagens a que falha o financiamento e por isso mesmo a repensar o tipo de obra resultante da sua presença no terreno. Em vez de uma história previamente criada na forma de um argumento destinado a ser interpretado por atores e atrizes profissionais em ambiente natural, o realizador e o produtor convergem na modificação do projeto tornando-o num misto entre a ficção e o documentário.
O resultado sairia tão certeiro - com reações entusiásticas nos vários festivais em que foi exibido, nomeadamente no de Cannes - que Miguel Gomes voltaria a repetir a estratégia em 2015 com a trilogia das «Mil e Uma Noites», essa sim espelho eloquente do que foram os anos da troika. Mas quem viu esses filmes não deixa de reconhecer o quanto eles devem a este que agora se propõe.
Com «Aquele Querido Mês de Agosto», Miguel Gomes dá razão ao que Jean-Luc Godard defendeu a propósito do que é um bom filme: “o documentário mais interessante é o que se integra na ficção e a ficção mais interessante a que se integra no documentário”. Não enjeitando a inserção de uma estória bastante ambígua envolvendo o relacionamento entre os três elementos do conjunto «Estrelas de Alva» (pai, filha e primo), mergulhamos a fundo no ambiente estival em que as canções alternam com a ameaça de incêndios e com o fogo-de-artifício das festas das várias aldeias.
Durante umas semanas esse território, condenado a progressiva desertificação no resto do ano, ganha súbita vida com os que lá estão a olharem surpreendidos para a pesporrência dos que vieram das estranjas e estes a passearem o seu estatuto (mesmo que mistificado!) de bem sucedidos na vida. Quando o verão acaba, também fenecem as ilusões alimentadas nas efémeras semanas em que a vida se aligeirara.
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