Há críticas de filmes, que me surgem como insultuosas de tal forma usam critérios diferentes para ajuizar os filmes consoante as suas conotações ideológicas.
Vem isto a propósito de um articulista do «Público», Luís Miguel Oliveira, ter dado apenas uma estrela a «Trumbo», dizendo-o eivado de maniqueísmo contrário ao do macarthismo contra o qual se insurge.
Curiosamente nunca vi o mesmo opinador preocupar-se quando está explicito uma mensagem de sinal contrário que, se dotada de talento e meios de produção à altura, logo passa por obra-prima. «Trumbo» serve de pedra-de-toque para perceber o que se passa na cabeça de quem o comenta: se não gosta quase por certo alinha politicamente à direita, se gosta sucede precisamente o contrário. ~
Muito preocupado com o maniqueísmo, LMO esquece que o assunto não admite confusões: ou se está de um lado ou do outro. Ou se admira os que mantiveram as convicções, sofreram as consequências e acabaram por ser reconhecidos como vítimas de uma execrável operação política destinada a virar a América mais para a direita, de forma a satisfazer os interesses da coligação de militares com a indústria de guerra (Eisenhower bem a pressentiu e denunciou, mas nada pôde fazer contra ela!), ou se alinha com os John Waynes, com os Ronald Reagans e com os Nixons, que dela foram cabeças de turco. Como Trump continua a ser com o recente aumento do Orçamento para os militares.
No final da Segunda Guerra Mundial o poder republicano julgou-se invencível ao ter a exclusividade da bomba atómica e engendrou a estratégia imperialista de expandir a sua exploração a todos os continentes. Os comunistas estavam a jeito como inimigos principais, pois seria a União Soviética o maior obstáculo a esse objetivo. E entre eles, pela sua visibilidade, contavam-se os realizadores, argumentistas, atores, atrizes e outros técnicos, que davam vida às produções de Hollywood.
Dalton Trumbo era um deles: escritor talentoso, já enriquecera com alguns trabalhos, que haviam conhecido um enorme sucesso de bilheteira.
Em 1947 ele e outras nove personalidades conhecidas dos estúdios cinematográficos foram intimados a comparecerem em Washington para prestarem declarações perante a Comissão de Atividades Anti-Americanas.
Cientes de estarem a ser violados os seus direitos constitucionais quanto à sua liberdade de pensamento, nenhum deles colaborou com os interrogadores acabando condenados a um ano de prisão por «desrespeito ao Congresso».
Curiosamente o senador incumbido dessa Comissão não tardaria a ser igualmente preso por burla e peculato.
Nos anos seguintes - dez no caso de Dalton Trumbo - a vida viu-se-lhes virada do avesso com a pobreza a substituir-se à confortável qualidade de vida até então usufruída.
Alguns cedem à chantagem dos anticomunistas liderados pela intriguista Hedda Hopper (cuja influência advinha da sua muito lida coluna de mexericos!), como aconteceu com Edward G. Robinson, Outros, como Elia Kazan - que alguns enaltecem por títulos como «Esplendor na Relva» ou «A Leste do Paraíso» - levaram a perfídia ao extremo de denunciarem, sem qualquer objeção, os que tinham sido seus amigos e nele haviam confiado. Mas houve também os que morreram por não encontrarem ânimo para contrariarem a inclusão na Lista Negra como sucedeu com John Garfield.
Trumbo organizou-se com um conjunto de outros argumentistas para escreverem argumentos mal pagos e de escassa exigência para filmes de série B. Mas, entretanto, em trabalhos mais de acordo com o seu talento, foi ganhando Óscares sob pseudónimo. Aconteceu com «Férias em Roma» de William Wyler em 1953 e com «O Rapaz e o Touro» de Irving Rapper em 1956.
A reintegração na Writers Guild of America só aconteceu quando Kirk Douglas exigiu que o seu nome figurasse no genérico de «Spartacus» e Otto Preminger o imitou com igual decisão relativamente ao «Exodus», ambos em 1960.
A América parecia à beira da mudança e Kennedy, acabado de ser eleito para a Casa Branca sinalizou o fim da perseguição aos principais nomes da Lista Negra com a comparência à estreia do filme de Kubrik. Mas a malfadada Comissão manteria a atividade, mesmo em menor dimensão, até 1975. Trumbo ainda viveu o suficiente para lhe fazer o enterro, pois sucumbiria no ano seguinte fulminado por um ataque cardíaco.
Nesta abordagem biográfica não havia muito que pedir a Jay Roach: um argumento consistente, intérpretes irrepreensíveis e causar no espectador a reação emotiva contra este trágico exemplo de repressão contra o direito a ter as crenças políticas, que se pretendam defender,
Estranho que isso ainda incomode muita gente. Por mim o filme vale cinco estrelas.
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