Tendo menos dez anos que Miguel Lobo Antunes, como não entender na primeira pessoa quanto ele diz no último texto escrito para o programa da Culturgest?
Na vertente física é evidente o esforço com que vou cumprindo irregularmente os quatro quilómetros e meio de exercício na baía do Seixal (cada vez mais como o Fernando, umas vezes correndo, outras andando), sendo ultrapassado por quem vai em passada acelerada sem evidenciar o mínimo esforço. Como não sentir inveja por estar tão distante da energia dos verdes anos?
No texto em referência, o responsável por tantas e tão excelentes vivências no edifício da João XXI, dá o próprio exemplo: “Há uns tempos, andando apressado para a estação do metro, reparei que pessoas novas me ultrapassavam com uma facilidade natural. Pensei que estava a andar depressa, porque tinha pressa. Andava depressa para as minhas possibilidades. Andava devagar para as capacidades dos mais novos.”
Pelo lado físico estamos, pois, conversados: a sucessão de aniversários vai-nos evidenciando a perda progressiva de capacidades, que nenhuns suplementos sob a forma de miraculosas cápsulas ou horas infindas de ginásio nos permitem resgatar.
Passemos, pois, ao lado mental, onde a experiência sempre foi elogiada como compensação bastante para acautelar a perda de alguma agilidade no raciocínio. A idade promete a sabedoria, sobrepondo a clarividência da razão às ilusões das pretéritas emoções.
Será realmente assim, mas à custa de nos conformarmos com a excelência da seleção do que possamos ver, ouvir e ler. Há trinta, quarenta anos, a visita a cidade desconhecida implicava a intenção de, no mesmo dia, entrar em três museus, passear por quatro parques, assistir a este ou aquele momento característico e tido como imperdível (a rendição da guarda em Westminster, por exemplo), acabar a noite num restaurante a identificarmo-nos com a gastronomia local. Saía-se do hotel após lauto pequeno-almoço com a promessa de só ali voltar ao fim da noite, com muitos quilómetros e infinitos fotogramas na memória.
Nas experiências mais recentes começamos a manhã cheios de energia num único objetivo, visitamo-lo com a lentidão de quem pretende usufruir bem o que ele contém e, após demorado almoço por perto, o cansaço torna-se tão avassalador, que o quarto do hotel funciona como urgente promessa de retempero pelos corpos.
No texto Miguel Lobo Antunes recorda como, em tempos idos, conseguia marcar o ponto nas várias solicitações dos amigos para comparecer nas suas exposições, atuações teatrais ou musicais ou outros estímulos que, muitas vezes, se sucediam uns aos outros no mesmo dia. Agora a impossibilidade é evidente: foi-se o tempo em que conseguíamos ver cinco ou seis filmes no mesmo fim-de-semana, porque cada experiência exige um outro espaço para sobre ela refletir, maturar.
Será esse o caminho para a tal sabedoria? Espero que sim, porque, quando vejo um daqueles programas televisivos sobre o que está a acontecer, e mereceria a disponibilidade para aí acorrer, só podemos concluir a perda do fio aos novos nomes da música pop objeto de entusiasmos dos jovens de hoje, como outrora dedicávamos aos Pink Floyd ou aos Doors. Não conseguimos também as energias bastantes para percorrermos todas as exposições, vermos todas as propostas teatrais, cinematográficas ou outras, outrora obrigatórias.
O poeta Raul de Carvalho é autor de um poema, que muito aprecio. «Vem Serenidade». E os meus sessenta anos levam-me a desejar amiúde o recato de casa, entoando comigo mesmo o seu verso final: Serenidade, és minha!
Sem comentários:
Enviar um comentário