Terão sido muitos os sítios onde vi expostas as obras escultóricas de Alberto Carneiro. Tão-só surgiam e logo lhes identificávamos a autoria, tão singular era a estética conceptual do artista agora desaparecido. Mais do que o seu aspeto formal, elas desafiavam-nos para as intenções filosóficas de quem as concebera.
Mas de todas as exposições em que pude apreciar-lhe as obras, quase todas tendo a presença da natureza sob a forma de troncos, ramos, folhas, a que melhor nos fica na memória foi a que esteve disponível no Palácio da Cerca em Almada há não muitos anos.
O espaço em si era propício para os propósitos do autor: perante o rio e a capital, os jardins cuidados projetam-nos para outros ritmos de vida mais propícios à contemplação, ao questionamento da nossa excessiva rendição aos aspetos mais betonizados das nossas urbes. As atávicas emoções oriundas do passado rural como que voltavam a ressoar sob a forma de inexplicável nostalgia.
No primeiro andar de uma das alas do edifício lá se enfileiravam as várias esculturas do artista, a dar-nos a demonstração plena como a land art não necessita de se cingir aos espaços naturais, onde tem conhecido as suas expressões mais exuberantes, podendo também impor-se num espaço fechado por paredes e teto. Sobretudo, porque as janelas abertas propiciavam o convívio com jardim ali ao lado. A sensação era a de nos abstrairmos dessa clausura para imaginarmos ali presentes os bosques e florestas donde muitos dos materiais esculpidos provinham.
Na morte do escultor importa sublinhar a admiração suscitada pelo improvável percurso de um miúdo nascido em famílias humildes, que o terão posto como aprendiz de santeiro numa oficina vocacionada para adornar altares das igrejas do norte do país, e cujo talento justificou uma tal evolução que, após uma bolsa em Inglaterra, o converteria num dos mais admiráveis artistas da sua geração.
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